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Ronaldo Fiani

COLUNISTA

Ronaldo Fiani

A Revolução Digital e a Competição: O Caso do Comércio Eletrônico (2ª Parte)

Tenho apontado a tendência de concentração dos lucros nos segmentos produtores das novas tecnologias digitais, em detrimento dos setores que são apenas usuários. No artigo da semana passada, começamos a ver como o comércio eletrônico está ajudando a promover esta concentração de lucros, ao alterar a relação entre a produção industrial e o comércio por meio das plataformas de comércio eletrônico, uma relação que tinha sido estabelecida no início do século XX, com o advento da produção em massa.

Vimos no artigo da semana passada que o enorme aumento de produtividade, resultante do advento da produção em massa no início do século XX alterou a relação entre a indústria e o comércio, como vigorava no final do século XIX. Antes do surgimento da produção em massa, a indústria dependia das ordens de compras dos atacadistas para conseguir vender seu produto. Isso resultava em maior poder de barganha do comércio na negociação com a indústria, em razão do que o comércio (principalmente o atacado) se apropriava da maior parcela dos lucros.

Com a produção em massa no início do século XX, a indústria passou a dispor de um enorme volume de produção para vender, o que lhe permitiu alcançar vários mercados ao mesmo tempo, tornado o atacadista local um mero auxiliar nas vendas dos seus produtos. Além disso, dispondo de uma enorme quantidade de produtos para vender, a indústria começou a buscar diretamente seus consumidores com campanhas publicitárias, o que concentrou a indústria, ou seja, reduziu o número de empresas industriais nos setores mais dinâmicos a poucas grandes empresas. A consequente redução da competição entre as empresas industriais não só aumentou o poder de barganha da indústria em relação ao comércio, como também permitiu que a indústria cobrasse preços maiores, obtendo margens de lucro mais elevadas.

Mas como as campanhas publicitárias ajudaram a concentrar a indústria em poucas grandes empresas? Em primeiro lugar, o investimento em publicidade pelas indústrias estimulou a preferência dos consumidores por determinadas marcas. Na medida em que os consumidores desenvolviam preferências por marcas em particular, as indústrias que produziam estas marcas podiam cobrar preços mais elevados, sem com isto perder vendas significativas, o que expandiu seus lucros.

Em segundo lugar, é preciso fazer um investimento mínimo significativo em publicidade para conseguir alcançar os consumidores. Ou seja, era necessário um determinado volume mínimo de anúncios em grandes canais de divulgação (televisão, rádio, jornais etc.) para que o investimento em publicidade produzisse resultados. Isto significava que pequenas empresas tinham maior dificuldade para fazer este investimento, pois era necessário produzir e vender muito para diluir o investimento mínimo em publicidade, de forma que ele não pesasse no custo do produto, elevando os preços e comprometendo a capacidade de competir.

Para ilustrar este fato, considere o seguinte exemplo meramente ilustrativo: se o investimento mínimo em publicidade em uma indústria for de 40 milhões, o peso deste custo no produto será de R$ 200 por unidade se ela produzir 200 mil unidades, mas se reduzirá a R$ 100 se ela produzir 400 mil unidades. Portanto, somente grandes empresas conseguiam fazer campanhas publicitárias em larga escala, diluindo estes custos em grandes volume de produção.

Os economistas chamam a este tipo de custo de custos fixos, porque são custos que a empresa tem de arcar, independentemente da quantidade produzida. Desta forma, estes custos pesam tanto menos no preço do produto quanto maior for a quantidade produzida. A consequência é que quanto maiores forem os custos fixos, mais difícil para uma empresa pequena ou média competir com as grandes empresas em uma indústria.

Contudo, o comércio eletrônico a partir do início deste século alterou dramaticamente esta realidade, facilitando a competição de pequenas e médias empresas industriais e revivendo o poder de mercado do comércio em relação à indústria. Agora, uma empresa industrial média ou mesmo pequena não precisa fazer campanhas publicitárias em grande escala, para alcançar os seus mercados consumidores. Plataformas de comércio eletrônico como Amazon, Shopee, Mercado Livre, Magalu, Submarino etc. concentram consumidores em escala nacional e até internacional, o que reduz muito e até mesmo elimina a necessidade de campanhas publicitárias para empresas pequenas e médias, ao menos nos setores de produtos de menor valor unitário, como os eletrodomésticos.

Tendo de investir muito pouco ou nada em campanhas publicitárias, e até mesmo em estruturas de armazenamento e distribuição de produtos, pois algumas destas plataformas de comércio eletrônico oferecem sua própria estrutura de distribuição, médias e pequenas indústrias podem oferecer seus produtos, sem que a obrigação de diluir custos fixos em volumes de produção mais reduzidos comprometa sua competitividade. Isto está aumentando muito a pressão competitiva na indústria, o que vem reduzindo as margens de lucro, que até o advento do comércio eletrônico tinham sido elevadas em vários setores industriais.

Estamos voltando, portanto, a uma situação parecida com aquela que vigorava no final do século XIX, quando a indústria produzia em função demanda do comércio. Mas o que está acontecendo com a competição entre as plataformas de comércio eletrônico? Este será o assunto do nosso próximo artigo.

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