COLUNISTA
Ronaldo Fiani
Destaquei nos meus últimos artigos que o comércio eletrônico vem facilitando a competição de pequenas e médias empresas industriais com as grandes empresas, e assim tem aumentado muito a pressão competitiva na indústria, o que vem reduzindo as margens de lucro no setor industrial. Este aumento da pressão competitiva se soma ao poder de mercado das grandes plataformas de comércio eletrônico, que adquirem produtos industriais para venda com reduções de preços, colocando a indústria em uma situação cada vez mais difícil. No artigo de hoje vou apontar uma estratégia que pode melhorar a posição da indústria nesta situação.
Inicialmente, é preciso compreender o efeito que o comércio eletrônico tem sobre as margens de lucro na indústria. A margem de lucro é a diferença entre o preço do produto e custo de produção de uma unidade deste produto. Ela nos fornece, então, o lucro por unidade de produto. Uma vez dado o custo por unidade de produto, qualquer coisa que force uma redução no preço vai reduzir concomitantemente a margem de lucro.
O comércio eletrônico impõe a redução do preço e, com isto, a redução da margem de lucro de duas formas. Em primeiro lugar, o poder de mercado das plataformas de comércio eletrônico permite que elas barganhem reduções de preços (ao leitor interessado nas fontes deste poder de mercado das plataformas de comércio eletrônico, sugiro que consulte meu artigo da semana passada, O Poder de Mercado das Plataformas de Comércio Eletrônico). Em segundo lugar, e tão importante quanto o poder de mercado das plataformas de comércio eletrônico exercido negociação com a indústria é o efeito que a forma de visualização dos produtos da plataforma tem sobre os preços dos produtos.
Para entender este efeito, temos de rever a análise que Joseph Bertrand (1822-1900), importante matemático francês desenvolveu de uma situação em que apenas duas empresas competem entre si, anunciando seus preços ao mesmo tempo. No caso em que o consumidor é indiferente em relação a qual das duas empresas fabrica o produto, isto é, se o consumidor considera os produtos de cada fabricante como substitutos perfeitos, Bertrand mostrou que as duas empresas estabelecerão preços com margens de lucro praticamente nulas, isto é, preços quase iguais ao custo por unidade de produto.
A razão deste resultado é simples: como os consumidores tomam conhecimento dos preços das empresas simultaneamente, eles comprarão apenas da empresa que oferecer os menores preços (o leitor deve lembrar que os consumidores consideram os produtos das duas empresas como substitutos perfeitos, não tendo nenhuma preferência em relação a um ou a outro). Por conseguinte, se qualquer uma das duas empresas cobrar um preço maior, mesmo que a diferença não seja significativa, ela não vai conseguir vender nada. A única solução é anunciar o mesmo preço que a outra empresa, e igual ao custo por unidade de produto, para que a outra empresa não consiga roubar vendas, anunciando um preço ainda menor (se ela o fizesse, como o preço é igual ao custo unitário, sofreria prejuízo).
Embora este resultado seja um tanto radical (Bertrand simplifica muitos aspectos da realidade, para facilitar a compreensão do problema), as páginas das plataformas de comércio eletrônico mostram que a análise de Bertrand se aproxima muito da realidade. Dada a forma de visualização dos produtos da plataforma, em que eles comparam diretamente os preços, se eles não possuírem preferência por um ou outro fabricante, os preços anunciados nas páginas são muito parecidos. Assim, as indústrias têm sido forçadas a reduzir os preços, aproximando-os do custo por unidade, de forma a competir nas páginas do comércio eletrônico, onde os produtos são apresentados simultaneamente com seus preços.
As empresas que têm conseguido escapar em alguma medida deste resultado são as empresas que conseguiram diferenciar os seus produtos. Os economistas dizem que um produto é diferenciado quando os consumidores consideram o produto do fabricante em questão como sendo diferente dos produtos dos demais fabricantes. Há dois tipos de diferenciação: a diferenciação horizontal e a diferenciação vertical.
A diferenciação horizontal acontece quando o produto possui características que alguns consumidores preferem, mas não outros: por exemplo, automóveis com teto solar panorâmico dividem as opiniões dos compradores. Já a diferenciação vertical acontece quando o produto possui uma característica que todos os consumidores valorizam: por exemplo, um sistema de som automotivo de alta qualidade. Quando a diferenciação do produto é bem-sucedida, a comparação de preços nas páginas das plataformas eletrônicas deixa de ser tão decisiva para a escolha do consumidor: a marca do fabricante passa a ser mais importante.
Mas qual diferenciação, horizontal ou vertical? Como promove uma diferenciação que divide a opinião dos consumidores, a diferenciação horizontal tende a consolidar as preferências de um segmento da demanda, ainda que este segmento possa ser significativo em termos de tamanho. Já a diferenciação vertical atribui ao produto caraterísticas que são valorizadas por todos os consumidores, o que permite à empresa cobrar um preço mais elevado e aumentar a sua margem de lucro (pense em um BMW comparado com um carro popular).
A escolha pelo tipo de diferenciação é uma opção estratégica da empresa, e não existe uma regra geral no momento de decidir entre diferenciação horizontal ou vertical, mas, sem diferenciação, a sobrevivência será muito difícil.
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