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Ronaldo Fiani

COLUNISTA

Ronaldo Fiani

Os Novos Mercados na Era Digital


Ronaldo Fiani


Existe um tema central no estudo da economia: o mercado. Os estudantes de economia se debruçam desde o primeiro período sobre o estudo das propriedades da demanda e oferta, cuja interação constitui um mercado. Os economistas que se acomodam na visão mais convencional do funcionamento da economia fazem a apologia do mercado, como sendo o arranjo econômico em que cada um dos lados envolvidos na transação (vendedores e compradores, isto é, oferta e demanda) é livre para transacionar do jeito que quiser. No artigo de hoje, veremos que além de ser uma descrição simplista de um mercado, este conceito da economia tradicional é claramente inadequado como instrumento de análise dos novos mercados digitais que estão se expandindo.

Mesmo quando se trata de mercados convencionais, há toda uma estrutura por trás do funcionamento de um mercado. Mercados não funcionam em um vácuo, mas em sociedades concretas, onde leis e hábitos sociais afetam a operação do mercado. Para exemplificar, vamos considerar um mercado convencional: o mercado de bebidas em bares e restaurantes. Há uma série de regras condicionando o funcionamento deste mercado: a legislação proíbe a venda de bebidas alcóolicas para menores, o funcionamento do próprio bar ou restaurante depende de licenças das prefeituras e de outros órgãos governamentais etc.

Também os contratos entre os estabelecimentos que vendem bebidas e seus fornecedores dependem da legislação em vigor, que em muitos países como o Brasil, inclui também regras legais contra a formação de cartéis e outras práticas anticompetitivas. Portanto, não se trata de vendedores e compradores operando em um vácuo, podendo transacionar da forma que bem entenderem.

Apesar destas breves evidências triviais, a base da teoria econômica convencional considera mercados como entidades que funcionam sem qualquer tipo de regulação, com compradores e vendedores se encontrando de forma aleatória e desorganizada, e realizando suas trocas em função apenas de suas preferências, sem nenhum fator condicionante. Que esta abordagem era inadequada, útil apenas para introduzir a noção de mercado para estudantes em estágio inicial do aprendizado de economia já deveria ter ficado claro com o trabalho de economistas como Douglass C. North, ganhador do Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel do Banco Central da Suécia de 1993. Contudo, ela permanece muito popular, pelo seu simplismo.

A pesquisa econômica tem demonstrado, entre outras coisas, que regras são essenciais para o funcionamento dos mercados, pois funcionam como referências para orientar as transações e favorecer acordos entre vendedores e compradores. Portanto, longe de ser um encontro aleatório de vendedores e compradores no vazio, algo parecido com a dinâmica das moléculas de um gás em um recipiente, um mercado é uma instituição, isto é, um conjunto de regras que coordenam os seus participantes e com isto possibilita que eles se encontrem e interajam.

Portanto, o que caracteriza um mercado não é a inexistência de regras, mas a ausência de qualquer hierarquia: vendedores e compradores se encontram em pé de igualdade, e apenas eles decidem como se darão as transações, respeitando as normas sociais e as leis sob as quais o mercado opera.

Todavia, as plataformas digitais têm alterado este cenário, e têm tornado a visão econômica convencional dos mercados ainda mais inadequada para tratar desta instituição. Tanto as plataformas de comércio eletrônico (como a Amazon, Mercado Livre etc., que intermediam a venda e a compra de inúmeras espécies de bens), quanto as plataformas de streaming (que funcionam intermediando a aquisição e aluguel de filmes, músicas etc.) e as chamadas plataformas de e-procurement, que facilitam a seleção e contratação de fornecedores por empresas funcionam na prática como mercados, aproximando e intermediando transações entre ofertantes e demandantes.

A virtude econômica destas plataformas eletrônicas é a de reduzir o que os economistas chamam de custos de transação, que são os custos de encontrar uma contraparte para a transação, negociar um acordo, formalizá-lo e garantir o cumprimento dos termos do acordo. Essas plataformas favorecem as transações, reduzindo os custos em todas estas etapas, mas são operadas por empresas que possuem regras e políticas para as transações que ocorrem nelas. Isto é, diferentemente da visão convencional de mercado, essas plataformas possuem uma hierarquia, pois, para participar de uma transação em uma delas, vendedores e compradores têm de cumprir as regras e estão sujeitos à forma que a plataforma impuser à transação.

Estamos entrando, portanto, na era dos mercados administrados. É preciso avaliar as consequências econômicas desta nova realidade, e a visão econômica convencional não está preparada para isto.

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