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Ronaldo Fiani

COLUNISTA

Ronaldo Fiani

A Tecnologia Digital Vai Transformar as Cadeias Globais de Valor


Ronaldo Fiani


Um dos fenômenos mais importantes na economia mundial desde os anos 1990 foi a expansão das chamadas cadeias globais de valor. Estas cadeias alteraram dramaticamente a distribuição da indústria no planeta, movendo uma parte substancial dela para a Ásia. No artigo de hoje, veremos que estas cadeias estão prestes a passar por uma profunda transformação no seu desenho, que vai novamente alterar as economias dos países envolvidos.

Inicialmente, porém, é preciso esclarecer o que é uma cadeia global de valor. Uma cadeia global de valor nada mais é do que uma rede de empresas em diferentes países, que assumem etapas distintas do processo de produção de um bem ou serviço. Por exemplo, na produção de um tênis de corrida podemos ter uma empresa norte-americana sendo responsável pelo desenho do modelo e pela comercialização do calçado pronto, uma empresa tailandesa sendo responsável pela fabricação do cabedal (parte superior do calçado), uma empresa chinesa sendo responsável pela sola que absorve o impacto etc.

Este tipo de organização produtiva se estende hoje por muitos produtos: automóveis, celulares, computadores, televisores, vestuário e artigos esportivos, apenas para citar alguns mais conhecidos. A partir dos anos 1990, várias etapas destas cadeias se concentraram em países asiáticos, notadamente a China. A chave das cadeias globais de valor está exatamente nesta concentração de etapas em determinados fornecedores ou distribuidores, que prestam seus serviços para vários clientes ao mesmo tempo.

Quando estas etapas se concentram em um fornecedor, ele pode oferecer o produto muito mais barato, por realizar o que os economistas chamam de economias de escala. São as economias de escala o principal motor da expansão internacional das cadeias globais de valor. A ideia por trás do conceito de economias de escala é simples: dada a necessidade de um investimento prévio para obter uma quantidade mínima de produto, quanto mais dele for produzido, mais o custo do investimento inicial se dilui em cada unidade de produto adicional, o que permite vendê-lo mais barato.

Por exemplo, imagine o leitor que, para produzir um solado de tênis capaz de absorver os impactos de uma corrida sem causar danos ao atleta seja necessário uma investimento de 1 milhão de dólares (o número é meramente ilustrativo, sem nenhum compromisso com a realidade). Se foram produzidos 50.000 solados para um cliente, o fornecedor precisa receber pelo menos 20 dólares por solado, para cobrir os custos do seu investimento. Se ele atender a dois clientes, cada um pedindo os mesmos 50.000 solados, a necessidade de cobrir o investimento se reduz a 10 dólares por solado, e o fornecedor pode cobrar mais barato de seus
clientes. Quanto maior o número de clientes atendidos, menor o custo para o fornecedor.

Mas existe uma condição para que este processo funcione sem problemas, ou seja, a baixo custo para as empresas que atuam na cadeia: as características de um insumo ou de um serviço prestado na cadeia global de valor devem ser padronizadas ou, ao menos, se necessário redefinidas de forma simples e a baixo custo. Quando este é o caso, o fornecedor ou prestador do serviço pode ser ser substituído sem problemas (pois, neste caso é possível encontrar algum outro que desempenhe as mesmas tarefas). Isto reduz as possibilidades de o fornecedor ou prestador barganhar preço, em busca de uma parcela dos lucros do cliente.

Contudo, quando o insumo ou o serviço prestado possui alguma especificidade ou complexidade em relação ao cliente que o demanda, isto reduz o número de fornecedores ou prestadores que estão aptos a fornecê-lo, o que pode dar origem a barganhas de preços e condições de pagamento por parte do fornecedor ou prestador, na busca por se apropriar de parte dos lucros que o cliente obtém com o resultado da produção. Estas barganhas resultam em custos para as partes, chamados em economia de custos de transação. Os custos de transaçãoimpõem limites à expansão das cadeias globais de valor, pois estimulam as empresas a buscarem elas mesmas desempenhar as etapas para as quais contratariam fornecedores ou prestadores.

Há, assim, uma dinâmica na expansão das cadeias globais de valor, resultante do conflito entre economias de escala e custos de transação. Todas as etapas envolvem economias de escala e custos de transação em alguma medida, mas, em algumas etapas, as economias de escala são mais importantes, enquanto em outras os custos de transação pesam mais. Como as tecnologias digitais vão afetar isso? Em primeiro lugar, elas vão aumentar a conectividade entre empresas de diferentes países, especialmente por meio de dados na nuvem, internet das coisas (que conecta máquinas digitalmente), inteligência artificial, robotização etc. Portanto, em vez de
negociar as características dos diferentes insumos que terão de ser fornecidos, ou do serviço que terá de ser prestado, o cliente vai enviar automaticamente para o fornecedor ou prestador aquilo que deseja em tempo real, sem necessidade de negociações custosas. Com isto, as possibilidades de substituição entre fornecedores e prestadores vai aumentar, reduzindo as margens de lucro destes últimos significativamente.

Mas nem sempre será possível aumentar conectividade, pela própria complexidade do insumo ou do serviço prestado. Neste caso, também as tecnologias digitais vão favorecer que a própria empresa passe a realizar a tarefa, em vez de delegá-la a um fornecedor ou prestador de serviços, por exemplo, combinando dados na nuvem, inteligência artificial e robótica. Assim, ao mesmo tempo que certas tarefas serão delegadas (onde as tecnologias digitais favorecerem a interconectividade), outras que eram terceirizadas passarão a ser realizadas internamente pelas próprias empresas, como forma de reduzir os custos de transação.

O panorama da indústria global vai se alterar radicalmente.

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