COLUNISTA
Ronaldo Fiani
Recentemente, foi noticiada a descoberta de um “segredo” que vem tirando o sono dos executivos da indústria automobilística mundial: o baixo preço dos carros da BYD. Conforme foi divulgado, executivos japoneses teriam desvendado o segredo dos preços baixos da BYD ao desmontar seus veículos (ver, por exemplo, https://insideevs.com/news/738606/byd-ev-teardown-impresses-japan/ ). Como veremos neste artigo, a “descoberta” e a surpresa que se seguiu só existem quando se tenta entender o mundo utilizando apenas a teoria econômica mais convencional dos manuais, sem conhecer a análise econômica moderna.
BYD, acrônimo de construa seus sonhos (Build Your Dreams, em inglês), é o nome da empresa chinesa estabelecida em 1995 por Wang Chuanfu, que além de automóveis elétricos também produz eletrônicos (componentes para smartphones e tablets), baterias (especialmente baterias de fosfato de ferro-lítio, que são mais seguras e não explodem, nem se incendeiam quando impactadas ou perfuradas, sendo por isso preferidas para automóveis elétricos) e soluções em energia solar.
O sucesso da BYD é impressionante, tendo ultrapassado a Tesla como produtor mundial de carros elétricos (ver, por exemplo, How China’s BYD Beat Tesla At Its Own Game, em https://economictimes.indiatimes.com/industry/renewables/how-chinas-byd-beat-tesla-at-its-own-game/articleshow/106588031.cms?utm_source=contentofinterest&utm_medium=text&utm_campaign=cppst ). A razão deste sucesso é simples: carros mais baratos do que os dos seus concorrentes, em especial o modelo BYD Atto 3, que com autonomia de 430 quilômetros custa o equivalente a menos de R$ 100 mil em termos de moeda chinesa, o que vem preocupando empresas automotivas que são gigantes internacionais, como a Toyota, a GM e a Volkswagen.
Mas como a BYD vem conseguindo produzir carros com preços mais baixos que seus concorrentes globais? Em 7 de outubro passado, representantes da indústria japonesa analisaram o desmonte de um modelo do BYD Atto 3, para tentar entender o que estaria por trás de um carro tão barato. Basicamente, descobriram duas coisas, a primeira delas de natureza tecnológica, a segunda relacionada à forma pela qual a BYD organiza a produção do seu modelo. A descoberta de natureza tecnológica foi a integração do motor elétrico, do conversor de corrente contínua da bateria em corrente alternada para o motor e da transmissão em um único conjunto compacto. Esta integração reduz o peso do veículo e os custos de produção.
Contudo, o que surpreendeu a todos foi a forma pela qual a BYD organiza sua produção: a própria BYD produz a imensa maioria dos componentes dos seus modelos, com poucas exceções relacionadas a partes de uso geral, como os pneus. Em uma indústria como a automobilística, que valoriza a terceirização para adquirir componentes mais baratos para seus veículos, como isto é possível?
Ocorre que terceirizar sempre é a sugestão da teoria econômica convencional dos manuais, pois para simplificar esta teoria supõe que não existem problemas de informação afetando transações econômicas, ou que estes problemas podem ser administrados a baixo custo. Em outras palavras, a teoria econômica convencional supõe que não existe a possibilidade de conflitos entre fornecedores e suas empresas clientes, ou que estes conflitos podem ser antecipados e administrados na redação dos contratos, sem custos significativos.
Assim, terceirizar seria sempre a solução, pois concentra a produção de componentes nas empresas fornecedoras, que atendem a vários clientes ao mesmo tempo. Isto dilui os custos dos investimentos que estes fornecedores fizeram para atender seus muitos clientes, barateando estes componentes. Os economistas chamam a este processo de economias de escala.
Contudo, nem sempre isto acontece, como demonstrou o economista norte-americano Oliver E. Williamson, ganhador do Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel de 2009. Dificuldades para obter informação são recorrentes em vários tipos de transação econômica, e podem gerar conflitos entre fornecedores e empresas clientes, conflitos esses que não são antecipados em contratos. Estes conflitos resultam em custos, os chamados custos de transação, que se manifestam na forma de barganhas, negociações recorrentes e até disputas judiciais, custos de transação que são tão importantes quanto os custos de produção.
No caso de um produto inovador, como sem dúvida é o caso do carro elétrico, os problemas de informação entre a empresa cliente e seus fornecedores são multiplicados, pois, no caso de uma terceirização é preciso adaptar os componentes não apenas à necessidade da empresa produtora, necessidade esta que vai mudando à medida que o produto vai sendo testado e aprimoramentos vão sendo realizados, mas também é preciso adaptar componentes feitos por empresas terceirizadas que participam da fabricação do automóvel entre si, resultando em negociações entre várias partes, que geram ainda mais custos de transação. Ao produzir ela mesma a maioria dos componentes que utiliza, não apenas a BYD pode introduzir mais rapidamente e de forma eficaz as inovações que acredita serem potencialmente bem-sucedidas, como elimina custos de negociação e adaptação com hipotéticos fornecedores.
Os economistas e executivos precisam ir além do mundo dos manuais básicos de economia, se quiserem entender o mundo em que vivem, ou serão o tempo todo surpreendidos por “segredos” que a teoria econômica moderna já desvendou há tempos.
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