COLUNISTA
Ronaldo Fiani
O leitor talvez se surpreenda um pouco com o título deste artigo. Afinal, usa-se com frequência o termo “museu” como metáfora de coisa velha e obsoleta. Portanto, afirmar que museus podem estimular inovações em tecnologias digitais sugere quase uma contradictio in terminis, ou seja, uma contradição em termos, que acontece quando termos opostos aparecem juntos. Mas a tecnologia digital frequentemente inverte as relações tidas como óbvias até agora.
Em artigos mais antigos no Diário de Petrópolis já tive a oportunidade de enfatizar que museus podem ser um importante estímulo para a economia das cidades que os abrigam, especialmente se ampliarem seu alcance e sua forma de interação com o recurso da tecnologias digitais. No artigo de hoje vou mostrar que esta relação também acontece na direção contrária: os museus podem ser fontes importantes de novas tecnologias digitais, estimulando o dinamismo tecnológico.
Inicialmente, é preciso destacar que, ao contrário do que usualmente se supõe, as inovações não surgem apenas se novas tecnologias são inicialmente descobertas, e somente então aplicadas a novos produtos ou processos produtivos. Este tipo de inovação, que também é importante mas não é a única fonte de inovação é chamado de “inovação estimulada pela tecnologia” (technology-push innovation em inglês), porque neste caso o impulso para inovar acontece a partir do desenvolvimento de uma nova tecnologia, buscando-se em seguida aplicações onde ela possa ser utilizada.
Mas há outro tipo de inovação, também muito importante, que é a “inovação estimulada pela demanda” (demand-pull innovation). Neste caso, são as necessidades do mercado que direcionam o esforço inovador, ou, dito de outra maneira, são as necessidades de empresas e entidades de governo por novos produtos ou processos produtivos que estimulam o esforço de desenvolver uma nova tecnologia. Desta forma, o desenvolvimento de uma nova tecnologia acontece em função de uma demanda, a qual direciona os esforços inovadores.
O papel dos museus tem se mostrado importante neste último tipo de inovação, desde o início da era digital. Museus não são abrigos de coisas “velhas e ultrapassadas”, mas sim repositórios de uma vasta, complexa e heterogênea massa de informações. Se considerarmos qualquer item em um museu, veremos que ele associa um vasto conjunto de informações de vários tipos. Isto torna os museus peças muito importantes no desenvolvimento de novas tecnologias digitais, pois informação é a matéria-prima das novas tecnologias digitais.
Vou exemplificar este fato com um item muito conhecido do Museu Imperial de Petrópolis, uma dos mais visitados do país: a coroa de D. Pedro II. Apenas em relação a este item temos várias informações associadas: sua data de fabricação, o material de que foi composta, seu fabricante, quando foi utilizada pela primeira vez pelo imperador, em que ocasiões era utilizada, qual a importância e o significado destas ocasiões para o império, a imagem da própria coroa, o dados e processos do monitoramento de sua segurança e de suas condições de preservação, além da maneira como se administra a interação dos visitantes do museu com a coroa, tanto dos que estão fisicamente dentro do museu, quanto daqueles que estão buscando informações pela internet, em suas casas e escolas, provavelmente com questões e formas de interação diferentes.
Trata-se de um volume grande de informações diversificadas, que tem de ser gerido adequadamente, e trata-se apenas de um item da coleção! A demanda por uma gestão eficiente de um volume enorme e heterogêneo de informações tem impulsionado várias inovações na indústria digital, onde os museus têm tido um papel relevante.
Eis apenas alguns poucos exemplos desse papel de destaque dos museus no desenvolvimento das tecnologias digitais: exibições virtuais têm estimulado o desenvolvimento de tecnologias associadas à realidade virtual e à realidade aumentada; a criação de réplicas de itens raros e valiosos, não apenas para preservá-los, mas também para permitir que visitantes interajam com os objetos sem danificá-los tem gerado inovações em escaneamento e impressão em 3D; a digitalização do acervo e de suas informações têm demandado inovações na utilização do armazenamento de dados na nuvem; a preservação dos itens têm dinamizado a internet das coisas, com o monitoramento à distância das condições ambientais dos itens e o acionamento de equipamentos de controle; os projetos de colaboração coletiva (crowdsourcing projects, em inglês), onde o público participa identificando e transcrevendo itens de interesse dos museus têm produzido inovações em plataformas digitais etc. Tudo isto sem mencionar a produção de conteúdo para videogames, jogos em celulares, filmes de época e outras produções recreativas ou culturais em meio digital, que se apoiam nas informações dos museus.
A indústria digital transformou os museus na mina de ouro da inovação. Enquanto isto, ainda vemos os nossos museus como uma coleção curiosa de coisas velhas e ultrapassadas.
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