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Ronaldo Fiani

COLUNISTA

Ronaldo Fiani

A Difícil Tarefa De Achar Seu Lugar Em Um Mundo Em Crise


Ronaldo Fiani


A edição da tradicional revista inglesa The Economist de 30 de março ( https://www.economist.com/weeklyedition/2024-03-30 ) aborda, entre outros assuntos, as dificuldades que a economia europeia vem enfrentando. De fato, o lide da matéria informa que a Europa, que nunca foi exatamente um continente conhecido pelo seu dinamismo econômico, hoje parece estagnada, em relação a qualquer padrão (today it looks stagnant by any standard).

O texto segue informando que, após lutar com a crise energética que se seguiu à deflagração da guerra da Ucrânia, o continente europeu cresceu apenas 4% nesta década, contra 8% dos Estados Unidos, sendo que desde o final de 2022 o continente praticamente não apresentou crescimento econômico, incluindo a Grã-Bretanha. Para agravar a situação, a Europa vem sendo inundada por importações chinesas, e corre o risco de enfrentar um novo aumento nas tarifas de importação dos Estados Unidos, caso Donald Trump seja eleito.

A matéria prossegue alertando para o mau momento em que a estagnação europeia se verifica, pois os países da região precisam de dinheiro para bancar gastos crescentes em defesa, e para avançar na transição de suas matrizes energéticas para fontes mais sustentáveis e menos poluentes.

Aqui temos um ponto importante. Estes dois desafios, corrida armamentista e migração da matriz energética não ocorrem por acaso: são duas dimensões diferentes do momento peculiar que estamos vivendo e que, infelizmente, poucos no Brasil se dão conta: a crise do sistema internacional.

Crises de sistemas internacionais são um dos principais temas em um campo da Economia denominado Economia Política Internacional. Neste campo, um dos autores mais influentes foi, indiscutivelmente, o norte-americano Robert Gilpin (1930-2018), homenageado quando do seu falecimento pela conhecida revista Foreign Affairs em 15 de agosto de 2018 (ver: https://www.foreignaffairs.com/united-states/enduring-legacy-robert-gilpin ). As ideias de Gilpin ajudam não apenas a entender as dificuldades europeias, mas os problemas que até mesmo países como o Brasil vão enfrentar daqui em diante.

Para compreender a análise de Gilpin, temos de considerar que as relações políticas e econômicas entre países, empresas e organizações internacionais são mediadas por um conjunto de acordos e práticas que constituem o chamado sistema internacional. Gilpin deu muita importância às transformações do sistema internacional, como a que estamos vivendo agora.

A presença de um sistema internacional estável e abrangente, como o que foi construído sob a liderança Estados Unidos com o apoio da União Europeia e do Japão, após o colapso da União Soviética no início dos anos 1990, e que envolveu a instituição de organizações multilaterais como a Organização Mundial do Comércio em 1994, tem como efeito favorecer o comércio e as finanças internacionais, ao reduzir a insegurança nas transações. Com isto, explica Gilpin, a economia mundial cresce, contudo, os países têm capacidades diferentes para se aproveitarem deste crescimento. Em função destas diferenças nas suas capacidades, o crescimento dos países é heterogêneo: alguns crescem mais do que outros.

Ocorre que este crescimento diferenciado como o crescimento chinês altera a distribuição de poder dentro do sistema internacional. Esta alteração provoca a crise do sistema, pois as potências emergentes passam a questionar o sistema internacional vigente que, obviamente, reflete prioritariamente os interesses dos países que o constituíram. Com isto, o sistema em vigor torna-se instável, e ameaça até mesmo se fragmentar em vários sistemas menores, como é a tendência atual, com a Organização para a Cooperação de Xangai e os BRICS.

Neste contexto, os países que lideram o sistema e seus desafiantes disputam a hegemonia internacional, o que exige não apenas que se armem, mas também que assumam o controle das tecnologias de ponta, pois são elas que comandam o processo de crescimento global. Neste momento, este controle envolve não apenas as tecnologias ligadas à sustentabilidade energética, mas também as tecnologias digitais e de produção de microcircuitos (ver meu artigo da semana passada, A China, a Intel, a AMD e a Microsoft, Diário de Petrópolis 31/03/2024, disponível em: https://diariodepetropolis.com.br/integra/colunista-ronaldo-fiani-1079 ).
Daí a preocupação europeia, que se reflete na matéria da revista The Economist. Não se trata apenas do temor de uma estagnação econômica, mas da perda de um papel importante no sistema internacional. Enquanto isto, o Brasil assiste a tudo como um expectador passivo, torcendo apenas por altas nos preços das matérias-primas e dos alimentos que exporta. Vamos ter muitos problemas.

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