COLUNISTA
A indústria automobilística é uma das mais importantes indústrias surgidas na Segunda Revolução Industrial, a partir da segunda metade do século XIX. Esta importância se deve tanto ao impacto que teve na vida das pessoas, promovendo uma transformação radical do panorama urbano e da malha de transportes, quanto pelo seu impacto econômico. O impacto econômico se deu pelo desenvolvimento de novas atividades associadas à venda de automóveis (financiamento, comercialização e manutenção), como também pelo estímulo ao crescimento de indústrias associadas à produção do veículo, como a indústria de aço, alumínio, plástico, elétrica, vidro, borracha e, mais recentemente, também a indústria eletrônica de software.
Desta forma, a produção da indústria automobilística estimula a produção de várias outras indústrias, gerando o que os economistas chamam de amplos “encadeamentos para trás”, significando que são feitas várias demandas para indústrias que fornecem matérias-primas e insumos para a indústria. Estes amplos encadeamentos para trás são importantes porque, ao estimular a produção em várias indústrias ao mesmo tempo, o crescimento da indústria automobilística fornece um impulso significativo para o aumento da renda e do emprego no país em que atuam. Mesmo em países grandes como o Brasil, a intensidade do crescimento da indústria automobilística antecipa a intensidade do crescimento de sua economia.
Portanto, adversidades que afetem a indústria automobilística como um todo tendem a reduzir o crescimento econômico global. Ocorre que, atualmente, a indústria automobilística vem enfrentando incertezas importantes, entre elas as incertezas associadas aos automóveis elétricos. Um sintoma do desafio representado pelos automóveis elétricos para montadoras tradicionais é o anúncio recente de que Nissan e Honda planejam se fundir.
A Nissan, que também detém 24% da Mitsubishi, e com isto é sua acionista majoritária assinou em 23 de dezembro um plano de fusão, para estabelecer uma holding até agosto de 2026 reunindo Honda e Nissan, o que deverá criar o terceiro maior fabricante de automóveis no mundo, atrás apenas da Toyota e da Volkswagen. Um dos motivos apresentados para esta fusão é justamente o de fortalecer a capacidade das empresas envolvidas de competir no mercado de automóveis híbridos e elétricos, além de desenvolver softwares para emprego nos carros.
Isto é compreensível, quando se considera que o desenvolvimento de carros elétricos pode ser considerado uma inovação radical. Falando de forma simplificada, uma inovação radical é aquela que altera a tecnologia do produto e o próprio mercado, com impactos até mesmo na sociedade. No caso, temos uma nova infraestrutura para abastecimento dos carros, impactos sobre a vida urbana, surgimento de novos empregos associados a produção de componentes e software para os carros elétricos etc. Como inovações radicais alteram profundamente o processo produtivo e os mercados, é muito difícil prever sua demanda, pois, afinal de contas, trata-se de algo novo, cuja demanda não pode ser projetada a partir da demanda dos produtos existentes.
Também a tecnologia de novos produtos envolve dificuldades quanto à previsão de seus custos, pois envolvem a montagem de componentes novos em combinação com componentes já conhecidos, sendo o resultado das novas combinações difícil prever em termos de custos. É neste contexto de incertezas com relação à demanda e às condições de oferta (custos) que a fusão entre a Honda e a Nissan deve ser compreendida. Ao se fundirem, duas empresas alcançam uma escala mais elevada de produção, afinal, somam seus mercados. Ao mesmo tempo, isto permite que duplicações sejam eliminadas: a nova empresa não precisa de duas divisões de marketing, ou de duas divisões financeiras, ou de dois departamentos de pesquisa etc.
Como as firmas que se reúnem conseguem reduzir suas estruturas administrativas e produtivas para uma quantidade maior de automóveis, o custo por automóvel se reduz, e isto, dados os preços dos carros no mercado, aumenta os lucros e gera uma reserva financeira ampliada, a ser aplicada no desenvolvimento de inovações. Esta reserva financeira ampliada ajuda a suportar os riscos de inovações fracassadas, que são um risco permanente em atividades inovadoras.
O leitor deve estar se perguntando: por que este artigo atribui importância às incertezas? Em primeiro lugar, conforme foi visto, inovações podem fracassar: uma inovação pode atrair uma demanda menor do que o desejado, ou envolver custos maiores do que os inicialmente estimados. Afinal, inovações radicais envolvem produtos que... ainda não existem! Há sempre um importante elemento de incerteza envolvido.
Mas há um segundo fator de incerteza, característico do momento que estamos vivendo, que é a ascensão de governos protecionistas, que também apresentam resistência a apoiar medidas ambientais. O protecionismo gera uma dupla incerteza: incerteza quanto ao acesso aos mercados estrangeiros para as empresas que exportam automóveis, pois barreiras tarifárias podem ser erguidas reduzindo o acesso a mercados externos importantes; e incerteza quanto aos preços de fornecedores estrangeiros de partes e peças dos automóveis, pois tarifas mais elevadas podem aumentar os custos destas peças e partes de forma imprevista.
Por outro lado, as medidas de proteção ambiental estimulam a produção de carros elétricos, e o abandono destas medidas pode representar um desestímulo importante para este tipo de automóvel, também pelo aumento da incerteza. Isto porque, ao contrário do que algumas vezes se supõe, a regulação governamental pode oferecer um direcionamento para os investimentos em inovação, no caso, em carros que substituam o petróleo por energia elétrica. Sem este direcionamento, as tendências do mercado se tornam mais nebulosas, o que aumenta a incerteza das empresas acerca de onde elas devem concentrar seus recursos para inovar.
A indústria automobilística é uma indústria-chave para uma economia moderna, e o seu cenário hoje é nebuloso.
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