COLUNISTA
O artigo da semana passada surpreendeu alguns, que veem qualquer intervenção do governo na economia como algo necessariamente prejudicial, ou, na melhor da hipóteses, como algo cujos custos superam sempre os benefícios, por definição. Este tipo de crença, que sem exagero poderia ser chamado de ultraliberal, infelizmente é compartilhado até mesmo por alguns economistas.
Digo infelizmente porque o bom economista é aquele que analisa casos concretos, identificando os custos e benefícios de cada caso, em vez de decidir com base em generalizações, sejam elas de natureza teórica ou, pior, ideológica, sem sequer considerar o caso concreto. O economista britânico Ronald H. Coase (1910-2013), agraciado com o Prêmio do Banco Central da Suécia em Economia em Memória de Alfred Nobel em 1991, chamava aos economistas que fazem suas avaliações a partir de princípios abstratos, em vez de considerar os casos concretos, de “economistas de quadro-negro” (blackboard economists), uma descrição irônica mas bastante exata: são economistas despreparados para entender o funcionamento do mundo real.
Se, em vez de utilizar generalizações, nós começarmos a estudar casos concretos, descobriremos relações muito interessantes e algumas até mesmo surpreendentes, como, por exemplo, a relação entre inovação e regulação governamental. Uma das maiores dificuldades associadas à decisão de inovar é decidir qual aspecto de um produto ou serviço justifica o investimento em inovação. Isto porque há vários casos de inovações fracassadas, não porque não tenham sido bem-sucedidas em produzir o resultado que se esperava delas, mas simplesmente porque não acompanharam a tendência do seu mercado. A regulação pode ajudar nesta decisão.
Um exemplo de inovação que não atingiu o que se esperava dela é o segway, onde as pessoas se movem em pé sobre uma plataforma com duas rodas, a partir de uma bateria e tendo o controle em um dos punhos, e que é visto com alguma frequência sendo utilizado por guardas em shopping centers. Inicialmente tido como uma revolução no transporte urbano, está longe de realizar esta promessa, entre outros fatores, porque o público considerou seu design “estranho”.
Outro caso um pouco mais recente de rejeição de inovação pelo mercado se deu com os chamados Google glasses (óculos Google em inglês), lançados em 2013 como combinação de óculos e computador, dispondo de realidade aumentada, comandos de voz, câmeras integradas e conexão à internet. Apesar de todos estes atributos, o mercado considerou o preço elevado, e desaprovou características como a pouca duração da bateria.
Portanto, identificar as tendências do mercado em relação a inovações é uma das tarefas mais difíceis quando se decide inovar, assumindo algumas vezes um caráter próximo de uma aposta em uma loteria. Repito, a explicação é simples: por se tratar de um produto novo, é difícil saber como o mercado vai avaliar suas características.
Mas estas tendências do mercado não dependem apenas das preferências dos consumidores. Elas podem ser direcionadas pela legislação e pela regulação governamental. Um caso muito interessante foi o do desenvolvimento dos catalisadores para automóveis. Um catalisador é um equipamento que utiliza metais nobres como platina, paládio e ródio para transformar elementos dos gases emitidos pelos carros, que são muito nocivos, em substâncias menos danosas.
Em sua versão típica, um catalisador transforma monóxido de carbono (um gás tóxico que é letal) em dióxido de carbono, que ainda é poluente mas não é tão tóxico; transforma hidrocarbonetos (que afetam a saúde respiratória) em dióxido de carbono e água; e transforma óxidos de nitrogênio (que prejudicam a saúde e a agricultura), em nitrogênio e oxigênio, que são gases neutros.
O desenvolvimento dos catalisadores só aconteceu em consequência da regulamentação imposta pela Agência de Proteção Ambiental (Environmental Protection Agency em inglês, também conhecida pela sigla EPA), criada pelo presidente Nixon em 1970, e que ao longo dos anos 1970 impôs metas de redução de emissão de poluentes pelos automóveis, quando ainda não havia tecnologias para atender estas metas.
Ou seja, a EPA estimulou inovações demandando o desenvolvimento de tecnologias por parte das montadoras de automóveis que ainda não tinham sido criadas! Longe de caracterizar uma intervenção nociva para a indústria automobilística, a decisão da EPA dinamizou a indústria automobilística norte-americana, e fez com que as empresas compreendessem uma nova tendência do mercado, pois a névoa tóxica causada pelos escapamentos dos carros vinha causando problemas em grandes cidades norte-americanas, como Los Angeles, desde os anos 1940.
Em resumo: uma política ultraliberal que elimine regulações pode deixar as indústrias sem uma referência importante sobre qual deve ser o rumo de suas inovações, justamente neste momento em que a competição tecnológica está se acelerando, aumentando com isso ainda mais a incerteza no mercado.
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