COLUNISTA
Ronaldo Fiani
Mesmo o leitor que não se interessa por temas econômicos deve ter tomado conhecimento da polêmica gerada pela postura protecionista do recém-eleito presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Segundo declarações de campanha, o presidente norte-americano recém-empossado pretende elevar significativamente as tarifas de importação, como forma de proteger as indústrias dos Estados Unidos da concorrência estrangeira. Este tipo de política é chamado pelos economistas de “protecionista”. Isto é ruim?
Políticas tarifárias protecionistas não são necessariamente ruins, da mesma forma que elas não são necessariamente boas. Tarifas são um instrumento de política econômica e, como qualquer instrumento, têm efeitos positivos e negativos, e o saldo resultante dependerá do contexto e do objetivo com que são aplicadas.
Quando se aplica uma tarifa protecionista, aumenta-se o tributo que um produto importado tem de pagar para ser vendido no país. Isto eleva o custo de se importar este produto, o que acarreta um preço mais elevado para quem consome o produto importado, no caso de um consumidor final, ou um custo mais elevado para a empresa que emprega o produto importado para produzir, no caso de um insumo ou máquina. O resultado, de qualquer forma, sempre serão preços mais elevados.
Portanto, dependendo da importância e da variedade dos produtos que são atingidos pela tarifa protecionista, a consequência pode ser um aumento da inflação. Esta aceleração da inflação é um resultado praticamente certo de tarifas protecionistas porque, se foi necessário proteger a indústria nacional com a adoção de tarifas, é porque seus preços são mais elevados do que o concorrente estrangeiro, caso contrário as tarifas seriam desnecessárias. Isto significa que consumidores ou investidores terão de substituir o produto importado pelo produto produzido no país, mais caro. Daí a possibilidade de aceleração inflacionária, dependendo da amplitude e importância dos produtos atingidos pelo protecionismo.
Esta aceleração inflacionária, contudo, pode valer a pena. Em primeiro lugar, se a amplitude dos produtos atingidos não for muito grande, os impactos inflacionários podem ser limitados. É o que acontece, por exemplo, quando a tarifa visa a proteger indústrias de ponta, de alto valor agregado, ou seja, indústrias que estão inovando e crescendo, como as indústrias digitais e de energia limpa, em vez de proteger indústrias ligadas a setores tradicionais (como o têxtil), ou produtoras de energia poluente (como o carvão).
Em segundo lugar, tarifas de importação baixa favorecem aquelas indústrias onde o país já possui vantagem, e que portanto consegue produzir a baixo custo, e prejudicam aquelas indústrias onde o país ainda precisa desenvolver sua capacitação. O desenvolvimento da capacitação em indústrias de ponta é importante por dois motivos. Em primeiro lugar, porque são indústrias onde o valor gerado é mais elevado, pois envolvem tecnologias mais complexas e difíceis de imitar, o que limita a competição e a oferta destes produtos. Uma vez que o valor gerado por estas indústrias de ponta é mais elevado, elas pagam lucros e salários maiores, elevando a renda do país.
Em segundo lugar, porque o sistema econômico moderno, que surgiu no final do século XVIII é baseado na inovação. Isto significa que ao longo destes quase dois séculos e meio foram as novas indústrias que surgiram, como a indústria química, a indústria elétrica, a automobilística, a aviação e a eletrônica que determinaram os rumos da economia. Neste sistema, ficar parado em uma determinada configuração de indústrias e setores só porque são os setores mais produtivos da economia é se condenar a uma estrutura produtiva obsoleta, de baixa produtividade e pouco rentável.
Desta forma, tarifas protecionistas podem ter um efeito positivo sobre a economia, desde que visem ao desenvolvimento de indústrias de ponta. Obviamente, as tarifas não resolvem o problema sozinhas: uma série de outras medidas devem acompanhar a proteção tarifária, especialmente medidas que incentivem as empresas protegidas da importação a alcançarem a competitividade internacional, evitando-se uma proteção indefinida, que acabe por fragilizar estas empresas, pois elas tendem a se “acomodar” com a proteção.
Por outro lado, adotar tarifas protecionistas indiscriminadamente gera com certeza efeitos negativos, e não apenas na inflação interna, conforme mencionei anteriormente. Elas também acabam por proteger indústrias que estão se tornando obsoletas, ou seja, que estão sendo superadas por inovações tecnológicas, promovendo uma estrutura econômica atrasada e ineficiente.
Portanto, conforme afirmei anteriormente tarifas são um instrumento de política econômica, não sendo necessariamente “ruins” ou “boas”: tudo depende do contexto em que estão sendo aplicadas, e dos objetivos que se almeja.
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