COLUNISTA
Ronaldo Fiani
Todo estudante do ensino médio conhece os ciclos de commodities pelos quais a economia brasileira já passou, do período colonial até o começo da república: o ciclo do pau-brasil no século XVI, o ciclo da cana de açúcar do século XVI ao XVII, o ciclo do ouro no século XVIII, o ciclo do café do século XIX ao XX e o da borracha, também do século XIX ao XX.
A economia brasileira foi impulsionada por estes ciclos, em que a expansão da exportação de uma commodity (linguagem que os economistas empregam para descrever produtos primários) provocava o crescimento de economia como um todo; e o declínio destas exportações, fosse pelo esgotamento dos solos, das jazidas minerais ou pela ampliação da concorrência a partir da entrada no mercado internacional de outros países produtores produzia crise e estagnação.
Estes ciclos foram interrompidos depois da crise do café nos anos 1930, provocada pela quebra da bolsa de Nova York. A partir daquele momento, consolidou-se no país a tese de que era necessário escapar destes ciclos, com sua sucessão de expansões, auges e declínios. Esta tese ganhou dimensão concreta a partir do Plano de Metas no governo do presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, conhecido como “JK”, que governou o Brasil entre 1956 e 1961. Sob o lema de “cinquenta anos em cinco”, JK acelerou o desenvolvimento da indústria, que se dava de forma lenta a incipiente desde os anos 1920 no país. Este crescimento industrial rompeu com o padrão de ciclos de expansão e decadência dos ciclos de commodities, dando uma nova fonte de impulso à economia brasileira.
Contudo, a crise do petróleo nos anos 1970 e a crise do endividamento externo nos anos 1970-1980 produziram a estagnação do desenvolvimento industrial no país. Daí em diante, até o início do século XXI a economia brasileira cresceu muito pouco. Mesmo nos anos 1990, com o controle da hiperinflação e as reformas privatizantes e liberalizantes, o PIB (produto interno bruto, a soma de tudo que é produzido e vendido nos país em um ano) cresceu apenas 1,7% ao ano, em média. Por sinal, as reformas liberalizantes, sem qualquer planejamento para a capacitação da indústria brasileira ajudaram muito no desmonte desta indústria e, portanto, nas baixas taxas de crescimento.
O Brasil só voltaria a crescer no início do século XXI, quando juntamente com vários outros países tornamos a viver um ciclo expansivo de commodities. Esta expansão foi provocada pelo crescimento acelerado da China, com sua demanda incessante por matérias-primas e alimentos. Esta demanda resultou em um aumento acentuado dos preços das commodities, o que elevou a renda e promoveu o crescimento econômico dos países que exportavam estes produtos, como o Brasil. Isso aconteceu ao mesmo tempo em que as indústrias destes países, em geral do tipo tradicional (como têxteis, vestuário e outras), com exíguas margens de lucro em função da forte competição global, deslocavam-se para o Oriente, especialmente a China, buscando mão de obra mais barata e acesso ao gigantesco mercado interno chinês, causando o que hoje se reconhece como um processo de desindustrialização em muitos países, incluindo novamente o Brasil. Mas, como os preços das commodities estavam se elevando, isto não gerou preocupação, tanto em outros países como no Brasil.
Ocorre que este ciclo de expansão das commodities pelo crescimento da demanda chinesa vem dando sinais evidentes de esgotamento há algum tempo. Em primeiro lugar, porque o crescimento da economia da China vem desacelerando, desde o pico em 2007 com impressionantes 14,2%, até os atualmente modestos 3% em 2023 (com a exceção de outro pico causado pelo fim da pandemia naquele país, de 8,1% em 2021).
Além da desaceleração do crescimento da China, a guerra de tarifas promovida pelo atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, vai ter impactos diretos e indiretos nas commodities exportadas pelo Brasil. Em primeiro lugar, há a possibilidade de impacto direto na forma de tarifas ou quotas impostas sobre as exportações de commodities brasileiras para os Estados Unidos, visando a proteger os produtores rurais norte-americanos, como admite o deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) (ver https://globorural.globo.com/economia/noticia/2025/02/brasil-pode-ser-tarifado-pelos-eua-e-tem-que-ficar-de-olho-na-china-diz-bancada-ruralista.ghtml) .
Em segundo lugar, ainda que as commodities brasileiras não sejam tarifadas diretamente, a expansão do protecionismo a ser promovida pelo presidente Donald Trump deve impactar negativamente o comércio global, que já não vem demonstrando vigor: o comércio internacional de bens estagnou em 2023, e cresceu apenas 1% no primeiro trimestre de 2024. Dificilmente as projeções de 3,3% este ano vão se confirmar (ver https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/comercio-global-de-bens-tem-crescimento-de-1-em-2024-aponta-omc/#:~:text=Macroeconomia-,Com%C3%A9rcio%20global%20de%20bens%20tem,1%25%20em%202024%2C%20aponta%20OMC&text=O%20volume%20do%20com%C3%A9rcio%20mundial,foi%20de%201%2C4%25 .). Crescimento mais lento do comércio internacional significa crescimento mais lento, ou mesmo estagnação nos preços internacionais das commodities, cujo valor depende da demanda global por elas.
Tudo isto significa que é improvável, para não dizer impossível que um novo ciclo expansivo de commodities estimule a economia do país. Sem ciclo expansivo de commodities e sem indústria, em grande parte desmontada, o que nos resta?
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