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Ronaldo Fiani

COLUNISTA

Ronaldo Fiani

Nenhuma Empresa Inova Sozinha


Há ainda vários mitos que impedem a compreensão da economia moderna, que venho discutindo nestes artigos. Talvez o pior deles é o mito de que competição é essencialmente produzir ao menor custo possível, fazendo o melhor apenas com aquilo que se tem, de forma a tentar cobrar preços inferiores aos seus concorrentes. De acordo com este mito, competição por inovação é algo secundário, tanto no sentido de que inovação é algo ocasional, quanto que empresas inovadoras são, por algum motivo, exceção na economia.

Em um artigo anterior (A Inovação é a Essência da Competição, Diário de Petrópolis, 14 de maio de 2023, disponível em: https://www.ie.ufrj.br/images/IE/IEnaMidia/2023/05/Ronaldo%20Fiani,%20Di%C3%A1rio%20de%20Petr%C3%B3polis,%2014%20de%20Maio%20de%202023.pdf ) mostrei que a inovação é a estratégia fundamental de competição na economia moderna, e não um fenômeno extraordinário, que acontece de forma imprevisível, pela capacidade ímpar de mentes excepcionais.

Hoje vou abordar um outro mito, mais sutil do que o anterior, mas também muito danoso para a promoção da capacidade inovadora das empresas: o mito de que as empresas inovam sozinhas, no sentido de que a decisão de inovar depende apenas da direção da empresa, e que basta ela querer para se tornar uma empresa inovadora. Este mito pode ser identificado nas queixas frequentes de que as empresas brasileiras são pouco inovadoras, de que investem pouco na pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e processos de produção, que investem pouco em inovação etc.

É verdade que a decisão de investir na busca de inovações depende da direção da empresa. Também é verdade que os executivos das empresas precisam antes ter compreendido que, sem inovação, o destino de qualquer empresa está selado, mais cedo ou mais tarde. Contudo, é difícil acreditar que executivos de empresas grandes e médias (e mesmo pequenas) não tenham ainda percebido isto neste começo do século XXI, em que a revolução digital que se anuncia, com inteligência artificial, internet das coisas, dados na nuvem e impressoras em 3D (apenas para citar algumas tecnologias em destaque diariamente na imprensa) promete revolucionar a forma de produzir nas firmas.

O problema com certeza não é a falta de vontade dos executivos das empresas, falando de maneira geral: o problema é que a inovação é um processo que não se limita ao interior das empresas. Este processo de inovação envolve um conjunto muito grande de agentes e organizações, ainda que se desenrole em sua maior parte no interior de uma empresa.

Em primeiro lugar, para que uma empresa inove, ela precisa de mão de obra preparada para trabalhar em inovações. Isto significa que a firma inovadora deve dispor não apenas de gestores, engenheiros, técnicos e operários com nível de qualificação mais elevado, pois terão de lidar com novidades que não fazem parte da rotina da empresa, mas também deve ter acesso a cientistas nos seus próprios laboratórios ou nas universidades, que estejam pesquisando os novos conhecimentos que servirão de base para as inovações almejadas.

Para isto, universidades, escolas técnicas e de gestão devem estar aptas a formar profissionais de alto nível, em número adequado e com especialização voltada para as áreas mais dinâmicas da economia. Note que incluí cientistas mais acima porque, em algumas áreas, como é o caso da biotecnologia, a distância entre a pesquisa científica básica e as aplicações comerciais vem diminuindo muito nas últimas décadas.

Todavia, mão de obra ainda não é suficiente. É preciso também que os fornecedores das empresas inovadoras tenham capacidade para acompanhar as novas demandas da empresa inovadora, em termos de tipos de materiais e caraterísticas das máquinas e equipamentos necessários para viabilizar as inovações. Não se trata necessariamente de exigir dos fornecedores a capacidade de produzirem eles mesmos inovações, embora em alguns casos isto possa ser necessário. Trata-se de pedir aos fornecedores que, no mínimo, tenham flexibilidade para atender à firma inovadora. Se os fornecedores não tiverem capacidade de atender estas demandas, dificilmente as empresas escolherão inovar, pois sabem que vão ser impedidas pela inércia dos fornecedores.

Por último, mas não menos importante, temos o fato de que, com a complexidade crescente do conhecimento científico e técnico, e o consequente aumento das áreas de especialização, há algum tempo dificilmente uma empresa consegue centralizar todo o conhecimento necessário para inovar. Em razão disto, há décadas assistimos uma multiplicação das parcerias visando à inovação, que reúnem frequentemente não apenas empresas privadas (e, em alguns casos, também empresas concorrentes, quando a parceria pode ajudar a solucionar problemas comuns), mas também centros de pesquisa, universidades e laboratórios públicos.

Em resumo: com o avanço do conhecimento científico e tecnológico, e sua crescente complexidade e especialização, firmas inovadoras surgem quando há uma comunidade inovadora na sociedade, e esta comunidade possui um tamanho significativo. Sem a presença desta comunidade, pedir que as empresas inovem é pedir que uma andorinha faça sozinha um verão de inovações.

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