Edição: sábado, 15 de fevereiro de 2025

Ronaldo Fiani

COLUNISTA

Ronaldo Fiani

O Que a DeepSeek Ensina (Novamente) Sobre o Capitalismo, e Que Deveríamos Entender


Ronaldo Fiani

“Cotejava o passado com o presente. Que era, há um ano? Professor. Que é agora? Capitalista”.

Quincas Borba de Machado de Assis


Em meu artigo anterior, Depois do Fim do Ciclo das Commodities, o Que Nos Resta? (Diário de Petrópolis, 09/02/2025), destaquei o esgotamento do ciclo de commodities (basicamente matérias primas e produtos agropecuários), ciclo este que se iniciou na virada do atual século, impulsionado pelo crescimento acelerado da China.

O preço das commodities depende muito da demanda internacional: quando a demanda aumenta, os preços das commodities aumentam, e os países produtores vivem um período de crescimento. Quando a demanda desacelera, o preço das commodities caem, e os países produtores vivem um período de dificuldades econômicas.

Com a guerra tarifária já em curso ameaçando reduzir o crescimento do comércio mundial, juntamente com a desaceleração chinesa em curso há 18 anos, os preço das commodities não vão se valorizar mais de uma maneira geral, como aconteceu nos anos 2000, exceto por problemas em produtos localizados, como foi o chocolate no ano passado, afetado por quebras de produção nos países da África Ocidental. Nossa dependência das commodities vai se tornar então um imenso problema.

Vamos ter um imenso problema porque, conforme vimos no artigo da semana passada, a valorização das commodities acomodou o país a um processo de desindustrialização, que se iniciou no final dos anos 1980, e se acelerou muito após o irrealismo cambial dos anos 1990 (alguém se lembra do dólar fixado a 1 real, e da resultante invasão dos importados por vários anos?), e também com ciclo de expansão das commodities (que trouxe uma inundação de dólares, provocando a valorização do real e, mais uma vez, a invasão de importados).

Neste momento, a indústria seria fundamental para fazer o país crescer, e por indústria deve-se entender não apenas a manufatura de bens, mas também os segmentos de serviços mais sofisticados, que em geral estão associados à indústria, como as tecnologias digitais (internet das coisas, armazenamento de dados em nuvem, robôs e inteligência artificial).

Contudo, para desenvolvermos a indústria, temos de entender a dinâmica capitalista, pois é ela que move a indústria, e esta dinâmica é muito diferente da dinâmica das commodities.

No caso das produção de commodities, por mais que se invista em inovações, o resultado em termos de lucros depende do comportamento do mercado internacional. Uma vez apropriados em grande escala, e dotados de tecnologia moderna, os recursos naturais aplicados à produção visando à exportação em larga escala terão sua lucratividade determinada pelos preços internacionais das commodities.

Mas a dinâmica da indústria e dos serviços tecnologicamente mais complexos que estão associados a ela é diferente da dinâmica das commodities: sua lucratividade depende diretamente da capacidade de inovar. Ao lançar um produto mais valorizado, a indústria ou o setor de serviços complexos têm a possibilidade de fixar o preço de seu produto, e assim determinar sua lucratividade. Esta possibilidade de fixar seu preço é resultante do pioneirismo do inovador, pioneirismo este que limita seus concorrentes diretos, dando liberdade para estabelecer seu preço, ou que supera este concorrentes com um produto mais barato, ou de qualidade superior.

Capitalismo, portanto, é inovação. Quer porque a inovação é o motor da indústria e dos serviços tecnologicamente mais complexos, como expliquei acima, quer porque estas inovações serão necessárias à produção de commodities para a exportação e, assim vão abocanhar parte dos lucros destas commodities.

Uma lição neste sentido parece estar sendo dada pela DeepSeek, que oferece agora um modelo de processamento de linguagem natural com a utilização de inteligência artificial, que responde às perguntas ou prepara textos em linguagem natural, aparentemente com custos muito mais baixos que seus concorrentes, como o ChatGPT da OpenAI. Enquanto seus concorrentes teriam investido em torno de R$ 34 milhões para desenvolver seus modelos, a DeepSeek teria gastado apenas R$ 6 milhões, a partir de uma série de opções que reduziram seus custos.

Embora os dados da DeepSeek estejam sofrendo alguma contestação, Sam Altman, CEO da OpenAI afirmou que o modelo da DeepSeek é “impressionante”.

Precisamos entender a lição da DeepSeek, e superar nossa incompreensão da realidade do capitalismo (e das limitações de uma economia baseada em commodities). Esta incompreensão da realidade do capitalismo em nosso país possui um caráter atávico, como ilustra a epígrafe deste artigo, retirada do excelente Quincas Borba de Machado de Assis. Como é sabido, a epígrafe que encabeça este artigo é um monólogo interno do personagem Rubião, em que avalia sua situação depois de herdar o patrimônio de Quincas Borba logo no início da obra.

Este patrimônio envolvia casas na Corte (a capital Rio de Janeiro, assim chamado no Império) e uma em Barbacena, escravos, apólices, ações do Banco do Brasil e de outras instituições, joias, dinheiro, livros e o cachorro do falecido, também chamado de Quincas Borba. Ou seja, nada diretamente envolvido na produção de um bem ou serviço (mesmo as ações, depois de emitidas, tornam-se um ativo financeiro e, em alguns casos, até mesmo especulativo). A conhecida ironia de Machado se mostra quando Rubião chama a si mesmo de “capitalista”, apesar de não ser um empresário inovador e sim herdeiro de uma riqueza apenas patrimonial.

Somos uma nação de Rubiões, a esperar a próxima crise que virá com o esgotamento do ciclo de commodities.

Edição: sábado, 15 de fevereiro de 2025

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