Edição: sábado, 22 de fevereiro de 2025

Ronaldo Fiani

COLUNISTA

Ronaldo Fiani

O Retorno da Questão do Dólar (1ª Parte)


Ronaldo Fiani


O papel do dólar como moeda global retornou ao debate, após o presidente Donald Trump reagir com a ameaça de aumentar as tarifas de importação dos produtos dos países do BRICS em 100%, caso eles levem a cabo iniciativas que reduzam a dependência do dólar em suas transações mútuas. O leitor que não está familiarizado com a teoria e os debates econômicos deve estar confuso com esta discussão.
É natural, porque até mesmo vários economistas, que possuem uma visão mais convencional do funcionamento da economia, mais centrada apenas no funcionamento dos mercados têm muita dificuldade para lidar com questões em que a política e a economia estão intimamente relacionadas. Os economistas com uma visão mais convencional acreditam que a presença de qualquer elemento político no mundo da economia é uma interferência indevida, uma intromissão exótica e nociva.

Esta perspectiva (talvez fosse melhor dizer, esta falta de perspectiva) compromete irreversivelmente a capacidade de compreensão destes economistas acerca do funcionamento do mundo real, especialmente quando se trata da economia internacional. A razão disto é simples: o que ocorre na economia global só acontece com a mediação dos Estados: são eles que estabelecem as regras que permitem que mercadorias entrem e saiam dos seus portos; são eles que emitem as moedas que são utilizadas em pagamentos e financiamentos internacionais etc.

Portanto, acreditar que a economia mundial funciona (ou pode funcionar) sem a política é o mesmo que acreditar que o corpo humano pode ser manter de pé sem a sua estrutura óssea. Quando se trata de economia internacional, política e economia estão indissoluvelmente unidas. Desta forma, o debate sobre o papel do dólar é um debate inevitável, ainda mais em momentos de contestação da hegemonia global de um país, como o momento em que vivemos agora. Mas o que significa dizer que os Estados Unidos detêm a hegemonia global, e que o dólar é a moeda hegemônica?

Como já mencionei em outros artigos, a palavra "hegemonia" é frequentemente mal interpretada. Hegemonia não significa supremacia, hegemonia significa liderança consentida: na Grécia antiga, o hegemon era o general que liderava uma aliança de cidades: embora fosse escolhido sempre entre os generais da cidade militarmente mais forte da aliança, seu nome tinha de ser aceito pelas demais cidades: hegemonia combina, portanto, força e consentimento.

Por conseguinte, o papel de moeda hegemônica global atribuído à moeda de um país resulta em parte do poder deste país, a chamada potência hegemônica, poder este determinado pela importância de sua economia e de sua força militar, combinada com a aceitação dos demais países e empresas internacionais, que percebem um papel positivo na liderança daquele país e utilizam a moeda daquele país como meio de troca e reserva de valor.

Uma moeda de um país se torna meio de troca internacional quando ela passa a ser aceita como pagamento em transações comerciais e financeiras. Já a mesma moeda passa a ser reserva de valor quando empresas, bancos e países retém a moeda da potência hegemônica como reserva internacional, ou seja, como um ativo para fazer face a compromissos comerciais e financeiros futuros.

Neste ponto, o leitor deve estar se perguntando por que outros países e empresas globais aceitam a moeda da potência hegemônica como meio de troca e reserva de valor. A resposta é enganosamente simples: eles aceitam a moeda da potência hegemônica porque confiam no poder e na liderança da potência hegemônica, por um lado; por outro lado, pelas vantagens que a adoção da moeda do país hegemônico traz, mais especificamente porque ela reduz os custos para realizar transações comerciais e financeiros, dadas as expectativas de que a situação prossiga inalterada.

Dito de forma simples: todos aceitam dólares para exportar ou importar mercadorias e realizar empréstimos porque todos acham que o dólar vai continuar sendo aceito para estas transações, seja pela liderança da potência hegemônica, seja pelo fato de que todos estão fazendo o mesmo. Uma vez que estas expectativas se estabeleçam e consolidem, fica muito difícil para outra moeda penetrar na economia global, porque os custos de empregar o dólar são muito menores do que os custos de qualquer outra moeda: é muito difícil empregar outra moeda quanto todos usam o dólar.

Isto significa que o dólar é imbatível como moeda hegemônica global? Este será o tema do próximo artigo.

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