Edição: sábado, 01 de março de 2025

Ronaldo Fiani

COLUNISTA

Ronaldo Fiani

O Retorno da Questão do Dólar (2ª Parte): O Mundo Está Amarrado ao Dólar?

Esta é, sem dúvida, uma das perguntas cruciais do momento que estamos vivendo, em particular depois que o Presidente Trump ameaçou retaliar qualquer tentativa dos BRICS de dispensar a utilização do dólar nas transações entre os países que formam o grupo, tentativas que vêm sendo discutidas sob a liderança da Rússia, com o apoio da China ( https://g1.globo.com/economia/noticia/2024/12/02/entenda-a-discussao-nos-brics-para-substituir-o-dolar-e-por-que-trump-fez-ameacas.ghtml ).

Mesmo o leitor desavisado já deve ter percebido que o papel do dólar como moeda global está no centro do atual confronto político e econômico entre Estados Unidos e China. Qual será o destino do dólar como moeda global?

Vimos no artigo da semana passada que os países aceitam a moeda de uma potência global nas suas transações internacionais por dois motivos. Em primeiro lugar, porque confiam no seu poder e na sua liderança, tanto em termos econômicos quanto políticos e, assim, acreditam que sua moeda vai continuar sendo importante no mundo, entre outras coisas, pelo volume de suas transações comerciais e financeiras. Em segundo lugar, pelas vantagens que a adoção da moeda da potência global traz, em particular porque reduz os custos para realizar transações internacionais, o que os economistas chamam de custos de transação na economia internacional.

A redução dos custos de transação proporcionada pelo dólar se verifica porque todos aceitam dólares para exportar, ou importar mercadorias, ou ainda para realizar transações financeiras, pelo simples fato que ela é a moeda mais utilizada. Uma vez que a moeda de um país seja a mais utilizada para transações internacionais, ela tende a se manter nesta posição simplesmente porque ela é a mais utilizada, e se torna custoso empregar outras moedas. Desta maneira, é mais simples e barato ter dólares para realizar suas transações porque sempre haverá alguém disposto a aceitar esses dólares.

É como se houvesse uma espécie de “inércia” em que, uma vez estabelecido um padrão (como o dólar como moeda internacional) ficasse difícil sair deste padrão, pelos custos que resultam da opção por algo diferente. Os economistas chamam este efeito de efeito de rede, e é possível verificá-lo justamente em atividades em rede, como é o caso das redes sociais: mais pessoas aderem a uma rede social quanto mais pessoas o fazem, pois isso aumenta as chances de encontrar um amigo ou amiga. Isto “cristaliza” um determinado padrão, que se torna difícil mudar.  Da mesma forma, mais países e empresas aderem ao dólar como reserva para realizar suas transações quanto mais países e empresas o fazem, pois isso aumenta as chances de encontrar um parceiro comercial ou financeiro que aceite o dólar como moeda.

Isto significa que mundo está “amarrado ao dólar”, e que a moeda norte-americana é insubstituível como moeda global? A prática correta em economia é a de observar as evidências para tentar solucionar uma questão, em vez de recorrer à ideologia (hoje em dia, infelizmente o recurso mais comum). Em particular, é útil para testar uma hipótese comparar o que é previsto pela hipótese com os fatos. No caso, a nossa hipótese é a da presença de efeitos de rede nas transações internacionais com o dólar, o que tornaria muito difícil para outras moedas assumirem também o papel de moedas globais. Se há efeitos de rede, a tendência é a de que o padrão dominante se torne exclusivo, ou quase exclusivo.

O efeito de rede é importante no dólar, mas não parece ser tão forte assim. De fato, o dólar não possui exclusividade como reserva global, o que seria previsto pelo hipótese da presença de efeitos de rede: outras moedas como o euro e o iene são importantes. Mais grave ainda, a participação do dólar nas reservas globais dos países vem declinado há tempos: dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostram que a participação do dólar nas reservas cambiais mundiais caiu para menos de 59% no último trimestre de 2024, prosseguindo em uma queda que já dura duas décadas ( https://www.imf.org/pt/Blogs/Articles/2022/06/01/blog-dollar-dominance-and-the-rise-of-nontraditional-reserve-currencies ). Em 1999, o dólar alcançava mais de 70% das reservas cambiais mundiais, pela mesma fonte.

O leitor pode considerar a queda do dólar nas reservas internacionais como sendo consequência do crescimento da participação da China no comércio internacional. Sem dúvida, esta é uma parte da explicação: enquanto em 1990 a participação chinesa nas exportações mundiais era de 1,8%, em 2020 esta participação era de 14,7%, quando a China se tornou o maior exportador mundial. Mas a diversificação das reservas mundiais não tem como maior causa a ampliação do uso da moeda chinesa, o renminbi. Com efeito, a moeda chinesa responde por apenas 25% da diminuição das reservas em dólares, de acordo com o FMI, e um terço das reservas mundiais em renminbi estão concentradas somente na Rússia.

Ao contrário do que também seria razoável esperar, a redução do peso do dólar norte-americano também não foi seguida por aumentos na mesma proporção da participação de outras moedas, que funcionam da mesma forma que o dólar como reservas internacionais: o euro, o iene e a libra esterlina. Foram moedas que não têm tradicionalmente o papel de reservas internacionais que aumentaram sua participação: o dólar australiano, o dólar canadense, a coroa sueca e o won sul-coreano respondem por algo em torno 75% da queda da participação do dólar. Portanto, o efeito rede parece ser importante, mas não explica tudo e, mais grave ainda, não parece explicar a queda do dólar nas reservas internacionais.

O que está havendo com o dólar? Este será o tema do nosso próximo artigo.

Edição: sábado, 01 de março de 2025

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