COLUNISTA
Ronaldo Fiani
Vimos na semana passada que existe a tese de que o mundo estaria “amarrado” ao dólar como moeda global, em função do efeito de rede. Os economistas chamam de efeito de rede quando mais pessoas aderem a uma determinada escolha porque cada vez mais pessoas fazem a mesma escolha. O nome efeito de rede faz sentido: é possível identificá-lo justamente em atividades em rede, como as populares redes sociais: mais pessoas aderem a uma rede social quanto mais pessoas o fazem, pois isso aumenta as chances de encontrar um amigo ou amiga. Isto “cristaliza” um determinado padrão, estabelecendo o monopólio da rede mais popular, o que se torna difícil mudar.
Da mesma forma, segundo a tese do efeito de rede na escolha da moeda global, mais países e empresas aderem ao dólar como reserva para realizar suas transações quanto mais países e empresas o fazem, pois isso aumenta as chances de encontrar um parceiro comercial ou financeiro que aceite o dólar como moeda. Portanto, alguns economistas (entre eles o economista norte-americano Paul Krugman, agraciado com o prêmio do Banco da Suécia para as Ciências Econômicas em Homenagem a Alfred Nobel em 2008) acreditam que o mundo estaria “amarrado” ao dólar como moeda internacional, pelo menos em um horizonte próximo, em função de um efeito de rede.
Contudo, outros economistas discordam desta visão, e eles apresentam evidências concretas de que, embora exista algum efeito de rede na escolha da moeda que vai servir como moeda global, ele não é tão forte como aquele que atua em redes sociais. Com efeito, se o efeito de rede fosse tão forte como o que verificamos nas redes sociais, somente uma moeda seria usada como moeda global. Mas isto nunca aconteceu.
Antes da Segunda Guerra, mesmo com o crescimento acelerado da economia norte-americana desde o final do século XIX e a perda de importância da Grã-Bretanha no comércio internacional, a libra esterlina continuou tendo uma participação importante nas transações internacionais, participação esta que prosseguiu até mesmo depois da Segunda Guerra, quando o dólar já tinha se tornado a moeda dominante nas transações internacionais. O estudo do papel da libra esterlina neste período levou a economista Maylis Avaro a publicar um trabalho muito interessante, em que caracteriza a libra esterlina no período que vai de 1945 a 1973 de forma bem-humorada de “moeda internacional zumbi”, pelo fato de que a libra continuou tendo papel importante nas transações globais, mesmo quando o dólar já era amplamente dominante. Isto não faz sentido se efeitos de rede dominam as transações internacionais.
O que acontece, então? Em primeiro lugar, precisamos reconhecer que as moedas têm uma característica muito diferente das redes sociais: elas são um ativo, juntamente com títulos públicos, ações etc. Na verdade, além de governos que precisam bancar suas importações e quitar compromissos que resultam de empréstimos internacionais, também empresas e bancos mantêm moedas aceitas internacionalmente como parte de suas carteiras de ativos. Elas são o ativo mais líquido internacionalmente, ou seja, podem ser usadas imediatamente para quitar compromissos mundo afora.
Como as moedas aceitas internacionalmente são um dos ativos internacionais que compõem as carteiras de empresas e bancos, especialmente das empresas e bancos que atuam globalmente, a demanda por essas moedas obedece às leis que governam a gestão das carteiras de ativos. Desta forma, mesmo que haja efeitos de rede operando no sentido de privilegiar a moeda que tem maior aceitação global, existe uma outra tendência importante, que também age com força: a tendência à diversificação da carteira de ativos, como forma de aumentar ganhos sem aumentar riscos.
A diversificação da carteira de ativos para aumentar ganhos sem aumentar riscos foi analisada pelo economista James Tobin ainda nos anos 1950 (veja o artigo “Liquidity Preference as Behavior towards Risk” na Review of Economic Studies, 25, 65-86, 1958), o que lhe garantiu o prêmio do Banco da Suécia para as ciências econômicas em Homenagem a Alfred Nobel em 1981. A diversificação das moedas nas carteiras de ativos internacionais proporciona ganhos, por exemplo, nas variações cambiais entre elas, permitindo um rápido rebalanceamento no caso de flutuações cambiais bruscas e inesperadas.
Uma vez que este princípio atua na composição das carteiras de ativos internacionais, é improvável que uma única moeda na forma de dólares monopolize estas carteiras. Isto também explica a expansão de outras moedas nas reservas internacionais nas últimas décadas, mesmo daquelas que não assumem tradicionalmente o papel de reservas internacionais, como o dólar australiano, o dólar canadense, a coroa sueca e o won sul-coreano, conforme vimos no artigo da semana passada.
Concluindo: o mundo não está “amarrado” ao dólar, embora ele continue sendo a moeda predominante nas reservas e, na ausência de alguma catástrofe global, ainda o seja por algum tempo. Mas a tendência declinante do dólar é um fato, como vimos no artigo da semana passada.
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