Edição: sábado, 15 de março de 2025

Ronaldo Fiani

COLUNISTA

Ronaldo Fiani

Há Estratégia nas Tarifas de Trump


Ronaldo Fiani


Sim, Trump possui uma estratégia. Apesar de seu comportamento aparentemente errático, com idas e vindas, e de sua postura agressiva e desafiadora, que têm levado alguns setores da grande imprensa internacional a afirmar que ele é imprevisível e não possui uma agenda, Trump e sua equipe possuem uma estratégia consistente. Esta estratégia resulta de seu diagnóstico acerca do problema fundamental da economia dos Estados Unidos. Vamos começar por este diagnóstico, para podermos então compreender sua estratégia.

Segundo Trump, os Estados Unidos perderam sua posição como motor da economia global, ao deixarem de ser a potência industrial do planeta. O deslocamento da indústria norte-americana para outros países teria desindustrializado os Estados Unidos, e com isso reduzido seu crescimento econômico e dinamismo tecnológico, que dependem da indústria. A relação entre indústria, crescimento e dinamismo tecnológico percebida por Trump está correta, pois mesmo os serviços mais sofisticados, como o desenho de componentes eletrônicos avançados dependem de uma base industrial para o seu desenvolvimento. Não é por acaso que na campanha do ano passado, ele prometeu “tornar mais uma vez a América a superpotência manufatureira do mundo” (once again turn America into the manufacturing superpower of the world).

O instrumento que Trump escolheu para enfrentar a perda de dinamismo dos Estados Unidos pela desindustrialização é a aplicação de tarifas de importação, que encarecem os produtos importados. Mas o que ele tem em mente é bem mais do que simplesmente proteger a produção nacional, tornando os produtos importados mais caros com a imposição das tarifas. O que Trump almeja com as tarifas é um novo arranjo em torno do dólar, pois acredita que a situação que os Estados Unidos vivem é o resultado de manipulação do dólar por outros países. Na visão de Trump e dos economistas que o assessoram, o déficit comercial dos Estados Unidos deveria derrubar o valor do dólar. Com efeito, se um país tem um grande déficit comercial, ou seja, se compra do exterior muito mais do que vende, sua moeda tende a se desvalorizar, porque a sua demanda por moedas dos países de onde ele importa é muito maior do que a demanda dos outros países pela moeda do país com déficit, já que ele está exportando pouco. Em 2024, o déficit comercial norte americano alcançou nada menos do que 1,2 trilhão de dólares.

A desvalorização do dólar a ser provocada pelo seu enorme déficit comercial tenderia, portanto, a reduzir o déficit, pois tornaria as mercadorias dos Estados Unidos mais baratas nos outros países, e as mercadorias destes países mais caras em dólares, reduzindo as importações norte-americanas e aumentando suas exportações. Mas isto não acontece, e a razão disto, segundo Trump e sua equipe, é que os outros países estão manipulando o dólar.
Segundo Trump e sua equipe, os bancos centrais dos países que exportam para os Estados Unidos estariam acumulando grandes reservas em dólar e, com isso, impedindo que o dólar se desvalorize, apesar do déficit norte-americano, mantendo assim suas próprias moedas desvalorizadas frente ao dólar e, desta forma, sustentando a competitividade dos produtos de seus próprios países no mercado internacional. Na interpretação de Trump e sua equipe, este seria um dos fatores responsáveis pelo declínio da indústria norte-americana.

É verdade que países como a China e o Japão mantém grandes reservas em dólar: em janeiro deste ano, a China (que possui a maior reserva em dólares) detinha nada menos do que 3,2 trilhões de dólares em suas reservas, enquanto em fevereiro deste ano o Japão (que possui a segunda maior reserva) possuía 1,3 trilhão de dólares. Mas a razão destas reservas avolumadas é simples: sendo o dólar a moeda internacionalmente aceita para transações comerciais e financeiras, os países que acumulam superávits com os Estados Unidos retêm dólares pela  liquidez que a moeda oferece para quitar compromissos internacionais, conforme vimos nos meus três últimos artigos.
Seja como for, Trump pretende usar as tarifas para forçar negociações com os países que têm grandes superávits com os Estados Unidos, de forma individual (porque negociações coletivas reduziriam o poder de barganha dos Estados Unidos), para que estes países se desfaçam de seus dólares, visando a promover uma desvalorização controlada do dólar e a recuperação da competitividade das exportações manufatureiras norte-americanas. Mesmo com relação aos países que não possuem muitos dólares, mas têm em suas reservas títulos públicos norte-americanos, Trump vai pressionar para que troquem os títulos de curto prazo por títulos com prazos mais longos e juros mais baixos, subsidiando assim os gastos públicos norte-americanos. Não é por acaso que entre os primeiros países atingidos pelas altas tarifárias tivemos a China (maior superávit com os Estados Unidos, 296 bilhões de dólares em 2024), e o México (segundo maior superávit com os Estados Unidos, 172 bilhões de dólares em 2024).

Vai dar certo? Sou contrário a que economistas assumam o papel de oráculos. Em vez disso, vamos discutir no próximo artigo as possibilidades de sucesso e as dificuldades desta estratégia de reindustrialização dos Estados Unidos.

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