COLUNISTA
Ronaldo Fiani
Vimos no artigo da semana passada que Trump possui uma estratégia econômica, bastante ousada, apesar de suas atitudes extravagantes. Esta estratégia é o resultado de seu diagnóstico da causa dos problemas norte-americanos: a desindustrialização, que teria reduzido a competitividade internacional da economia norte-americana. Segundo Trump e sua equipe, em particular um dos seus mais importantes assessores, Robert Lighthizer, esta desindustrialização seria a consequência da perda de competitividade das exportações do país em função do dólar excessivamente valorizado, o que torna as exportações dos Estados Unidos mais caras em relação às exportações de outros países, gerando um enorme déficit comercial (déficits ou superávits comerciais são determinados pela diferença entre as exportações e as importações: se o valor das exportações é maior do que o das importações, temos um superávit comercial, caso contrário, temos um déficit comercial).
O déficit comercial norte-americano vem crescendo continuamente há dez anos, passando de 33,9 bilhões de dólares em fevereiro de 2015 para 131,4 bilhões de dólares em janeiro deste ano, um recorde histórico. Escrevi no artigo Há Estratégia nas Tarifas de Trump, publicado no Diário de Petrópolis em 16 de março deste ano, que Trump e sua equipe econômico atribuem o déficit comercial norte-americano à manipulação do dólar por parte de
outros países, que acumulam grandes reservas. Estes países acumulariam estas reservas, de acordo com a visão de Trump e sua equipe, para manter o dólar valorizado, restringindo a sua oferta. Com isso, estes países conseguiriam manter suas próprias moedas desvalorizadas em relação ao dólar, favorecendo suas exportações em detrimento das exportações dos Estados Unidos.
A estratégia de Trump e sua equipe é usar a pressão das tarifas para obrigar os países que são parceiros comerciais dos Estados Unidos, especialmente aqueles com quem os Estados Unidos possuem grandes déficits comerciais, a se desfazerem destes dólares, o que aumentaria a oferta de dólares e provocaria a sua desvalorização. Em relação aos países que não tenham grandes reservas em dólares, a intenção seria pressioná-los a trocarem os títulos de curto prazo da dívida pública dos Estados Unidos que estes países retêm como reservas, por títulos com prazos mais longos e taxas de juros mais baixas, subsidiando assim o governo norte-americano.
Vai funcionar?
Sou avesso a que economistas assumem o papel de oráculos, infelizmente um vício comum na profissão. Assim, não vou oferecer previsões, mas traçar alguns cenários possíveis, para alertar sobre consequências indesejáveis desta estratégia. Uma primeira observação diz respeito à China. Dado o posicionamento usual do país, é pouco provável que aceite a pressão norte americana para se desfazer de boa parte de seus 3,2 trilhões de dólares em reservas (em janeiro deste ano). Mas ainda há o Japão, bem mais suscetível às pressões dos Estado Unidos, com nada menos do que 1,3 trilhão de dólares em suas reservas em fevereiro deste ano. Logo, existe possibilidade de que esta estratégia dê resultado.
Para entender as consequências de um eventual sucesso desta estratégia, é preciso considerar inicialmente que o portfólio de reservas dos Bancos Centrais pode ser dividido em duas parcelas: uma parcela determinada pelas necessidades de liquidez do país e uma parcela de aplicação financeira. A parcela de liquidez é determinada pelas necessidades de pagamento de compromissos de curto prazo do país, tais como importações e serviço da dívida de curto prazo.
A parcela de aplicação financeira é determinada pelas perspectivas de ganho da moedaestrangeira, seja pela valorização cambial (no caso, do dólar), seja no caso de o país emissor da moeda estrangeiro (no caso, os Estados Unidos) oferecer uma taxa de juros elevada. Caso tenha sucesso, a estratégia de Trump e sua equipe vai resultar em perda do valor das reservas em dólar, tanto pela desvalorização da moeda, quanto pela taxa de juros em vigor
nos Estados Unidos, que deve ser mantida ao menos no patamar atual para que o dólar se desvalorize (taxas de juros mais elevadas aumentam a demanda de dólares para aplicações financeiras no país, o que valoriza a moeda). Desta forma, o sucesso da estratégia de Trump deve provocar uma redução no valor das reservas em dólares dos Bancos Centrais para aplicações financeiras, o que vai fazer com que os Bancos Centrais se desfaçam de parte destas reservas, o que vai tornar a depreciar o dólar, o que vai levar a novas liquidações destas reservas, e assim por diante, em uma reação em cadeia difícil de controlar, e que vai gerar instabilidade cambial.
Há, assim, muita dificuldade para administrar de uma política deliberada de desvalorização do dólar, em razão dele ser uma moeda global e gerar respostas de outros países. Isto não é novidade. O Acordo do Louvre, assinado em 1987 se seguiu menos de dois anos depois do Acordo Plaza, em setembro 1985, para tentar frear as consequências desta último. O Acordo Plaza recebeu seu nome do hotel em Nova York onde foi assinado pelos Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido e França, e que tinha como objetivo reduzir o valor do dólar. O resultado? Entre 1985 e 1988, o dólar se desvalorizou impressionantes 30%, enquanto o iene japonês se valorizou mais de 41%! A tentativa de conter a desvalorização excessiva do dólar produziu o Acordo do Louvre, que teve um sucesso modesto em conter a desvalorização do dólar, mas não conseguiu estabilizar as taxas de câmbio.
Portanto, o Acordo do Louvre mostra que, mesmo agindo coordenadamente, a política de promover desvalorizações forçadas do dólar é arriscada. No caso de Trump, que prefere negociar com os países individualmente a tentar coordenar ações, os riscos são ainda maiores. Caso Trump consiga implementar sua estratégia, a instabilidade global irá muito além da restrição no comércio internacional produzida pelas tarifas.
Veja também: