Edição: segunda-feira, 07 de abril de 2025

Ronaldo Fiani

COLUNISTA

Ronaldo Fiani

A Gigantesca Bolha Especulativa Norte-Americana


Ronaldo Fiani


Vimos nos últimos artigos a estratégia econômica do presidente dos Estados Unidos Donald Trump, que visa a promover a reindustrialização dos Estados Unidose, assim, combater o enorme e crescente déficit comercial norte-americano. Um déficit comercial é a diferença entre as importações e as exportações; sem capacidade industrial (as indústrias do país se deslocaram em grande medida para a Ásia, em particular para a China) e com o dólar
valorizado, o resultado foi o déficit. Porém, além dos riscos de sua estratégia (abordados nos dois artigos anteriores), há também a questão da situação geral da economia dos Estados Unidos, onde há uma década pelo menos vem se formando uma gigantesca bolha especulativa.

Os economistas chamam de bolha especulativa à situação em que o aumento do valor de um ativo (que pode ser uma empresa, ações, papéis financeiros, imóveis etc.) supera os rendimentos que ele proporciona, descontados os seus custos. Por exemplo, imagine que a taxa de juros de um financiamento para a aquisição de ações, (ou de um imóvel, ou de qualquer outro ativo) seja de 10% ao ano, mas o valor das ações (ou do imóvel, ou de qualquer outro ativo) aumente em 20% no ano. Neste caso, vale a pena tomar um empréstimo para comprar as ações (ou o ativo em questão), pois há um ganho. Se as pessoas acreditarem que o preço das ações (ou do ativo) vai continuar aumentando, a demanda pelas ações (ou pelo ativo em questão) cresce. Com isso o ativo se valoriza e confirma as expectativas de ganho, gerando mais demanda, e assim por diante. Em geral, este processo tem vida curta, pois na ausência de uma disponibilidade crescente de dinheiro ou crédito, a demanda pelo ativo para de crescer em algum momento. Com isso, o ativo deixa de se valorizar, e os últimos que adquiriram o ativo tomando empréstimos têm perdas. A partir daí, o ativo passa a se desvalorizar, e o processo se reverte: os proprietários do ativo passam a se desfazer dele para reduzir as perdas, e temos então a liquidação do ativo.

Uma boa indicação da formação de uma bolha especulativa generalizada é comparar o crescimento da economia com a valorização dos vários ativos desta mesma economia. Não devemos comparar com um ativo apenas, afinal, ativos específicos podem se valorizar por razões particulares: no caso da ação de uma empresa, por exemplo, pode acontecer de a empresa ter desenvolvido um novo produto que oferece perspectiva de lucros elevados no futuro, o que aumenta a demanda pela ação e gera uma valorização elevada. Mas, quando se trata dos ativos em geral, os casos particulares perdem importância e a valorização deve, ao menos em princípio, acompanhar o crescimento da economia como um todo, pois ele é que vai gerar renda para que os ativos sejam demandados.

No caso dos Estados Unidos, no período 2015-2024 o produto interno bruto (o PIB, a soma de todos os bens e serviços produzidos pela economia no ano) aumentou aproximadamente 59,6%. Mas, entre dezembro de 2014 e dezembro de 2024, o índice Standard & Poor’s 500 (S&P 500 que mede a valorização das 500 maiores empresas da Bolsa de Nova York) apresentou valorização de aproximadamente 185,7%! Para o caso dos imóveis, o Federal
Housing Finance Agency (FHFA) House Price Index (índice de preço de residências da Agência Financiadora Federal de Habitações) apresentou no mesmo período um aumento de aproximadamente 109,3%! Chama então a atenção a amplitude (envolve desde ações a imóveis) e a longa duração (no mínimo 10 anos) do fenômeno da valorização dos ativos, muito além do que o crescimento da economia norte-americana justificaria. Trata-se, assim, de uma duradoura e gigantesca bolha especulativa. De onde vem o dinheiro para sustentar esta valorização generalizada e duradoura de ativos, além do que o crescimentos dos Estados Unidos justifica?
Justamente do déficit comercial.

Funciona assim: com o déficit comercial norte-americano, as empresas chinesas, alemães, japonesas e outras recebem mais dólares do que precisam para pagar as importações dos Estados Unidos. O que elas fazem com os dólares que sobram? Aplicam nos Estados Unidos, por exemplo, comprando ações na bolsa de Nova York, títulos do governo norte-americano, imóveis de luxo na Flórida e na Califórnia. Com isso, os ativos norte-americanos
seguem se valorizando mais do que aquilo que o crescimento econômico do país justificaria.

Também o dólar se mantém valorizado, porque a sua demanda se sustenta pela compra destes ativos. Com o dólar valorizado e a desindustrialização dos Estados Unidos, as exportações do país se enfraquecem, e o déficit se mantém, em um círculo vicioso. Mas agora Donaldo Trump e sua equipe pretendem forçar países com grandes reservas em dólares a se desfazerem destas reservas, para que o dólar se desvalorize e o déficit diminua, ou até se reverta. Se forem bem-sucedidos, muito provavelmente vão romper este círculo vicioso, pois nem os investidores internacionais terão interesse em investir em ativos nos Estados Unidos com um dólar cujo valor está caindo, como o próprio déficit comercial norte-americano que alimenta este processo deverá se reduzir, pois um dólar mais barato incentivará as exportações dos Estados Unidos (em alguma medida, mesmo com a desindustrialização).
A questão é se, a partir de um eventual sucesso desta estratégia de Donald Trump, o esvaziamento da bolha será lento ou rápido. Se for rápido, isto é, se os preços dos ativos caírem aceleradamente, isto vai afetar drasticamente as empresas que têm ativos em dólares: estas empresas podem enfrentar problemas para honrar seus compromissos, e teremos então uma crise aguda. Se for lento, teremos provavelmente uma crise não tão aguda, mas prolongada.

Obviamente não é possível prever, pois irá depender das respostas dos outros países à pressão norte-americana. É esperar para ver, mas é preocupante.

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