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Ronaldo Fiani

COLUNISTA

Ronaldo Fiani

O Mundo Sem Uma Grande Potência Estabilizadora


Ronaldo Fiani


Vimos nos últimos artigos a estratégia econômica do presidente dos Estados Unidos Donald Trump, que visa a promover a reindustrialização dos Estados Unidos e, assim, retomar o papel do país como potência industrial do mundo, conforme declarou no Rose Garden da Casa Branca no dia 2 de abril.

Uma ferramenta essencial nesta estratégia é a adoção de tarifas protecionistas, que foram fixadas em um mínimo de 10% sobre as importações de todos os países com os quais os Estados Unidos mantêm relações comerciais, a partir de 5 de abril, sob o argumento de promover arranjos comerciais mais justos. Tarifas ainda mais elevadas serão impostas sobre os países em relação aos quais os Estados Unidos apresentam déficit comerciais mais elevados em 9 de abril. As tarifas vão permanecer em vigor enquanto o governo dos Estados Unidos avaliar que o déficit comercial norte-americano com cada país não foi solucionado ou, pelo menos, atenuado.

A postura unilateral do governo norte-americano na questão das tarifas se repete em várias outras áreas das relações econômicas do país, como, por exemplo, na ajuda econômica e na restrição ao financiamento de organizações multilaterais como a Organização Mundial do Comércio (OMC). Esta abordagem autocentrada é exatamente o oposto do papel que até aqui se supunha que a superpotência global deve assumir: o papel de estabilizador do funcionamento do sistema econômico internacional.

Este papel foi identificado pelo economista Charles P. Kindleberger (1910-2003), em sua obra mais importante, The World in Depression, 1929-1939 (O Mundo em Depressão, 1929-1939), publicado originalmente em 1973 e republicado desde então. Kindleberger não foi apenas um acadêmico reconhecido, com uma longa carreira lecionando no Massachusetts Institute of Technology (o mundialmente famoso MIT): ele ocupou postos-chave no governo dos Estados Unidos em momentos críticos, tendo trabalhado no tesouro dos Estados Unidos no início da Grande Depressão dos anos 1930, em seguida no Federal Reserve de Nova York, além de ter sido um dos principais formuladores do Plano Marshall (que reconstruiu a Europa depois da Segunda Guerra) e assessor do Departamento de Estado norte-americano.

Em seu livro O Mundo em Depressão, Kindleberger afirma que a Grande Depressão dos anos 1930 resultou do fato de que não havia uma grande potência com a capacidade ou o interesse em atuar como estabilizadora do sistema: o Reino Unido não dispunha mais de recursos para atuar como estabilizador do sistema, como tinha feito antes da I Guerra, a França estava preocupada apenas com sua situação interna e os Estados Unidos, que vinham crescendo mais que qualquer outro país desenvolvido desde a virada do século XIX para o século XX e que, portanto, dispunham dos recursos para assumir este papel, simplesmente não estavam interessados. Como a economia global está sujeita a crises, sem uma potência com recursos e disposição para adotar políticas que estabilizem a economia mundial, a crise é inevitável.

Mas o que significa atuar como estabilizador? Significa adotar políticas econômicas para contrabalançar os efeitos de crises econômicas, reduzindo seu impacto, mesmo que estas políticas resultem em custos para o estabilizador. Estas medidas envolvem, segundo Kindleberger: promover a estabilidade cambial nas transações comerciais internacionais, de forma a que exportadores e importadores não sofram perdas por flutuações imprevistas no câmbio; oferecer empréstimos de longo prazo para países enfrentando dificuldades econômicas; manter seu mercado nacional aberto para mercadorias de países em crise; evitar que países busquem vantagens econômicas sobre outros países, por exemplo, desvalorizando suas moedas para aumentar suas exportações ou impondo tarifas para favorecer produtores nacionais; fornecer crédito de curto prazo em caso de crise financeira.
O papel de estabilizador da economia global envolve custos, por exemplo, ao manter seu mercado aberto para outros países em dificuldades, ou fornecer crédito a países em dificuldades. Por isso, o país que assume este papel deve ser uma potência econômica e possuir os recursos para isso. Ocorre que a atual gestão norte-americana vem deixando bem claro que não está disposta a arcar com custos que não beneficiem prioritariamente os Estados Unidos.

Basta considerar a imposição de tarifas protecionistas pelo governo norte-americano e sua intenção de desvalorizar o dólar, bem como seu declarado objetivo de favorecer os Estados Unidos nas relações com outros países e sua atitude desconfiada em relação a instituições multilaterais caso elas não atendam os interesses específicos dos Estados Unidos, para perceber que o os Estados Unidos vêm agindo na verdade como um desestabilizador do sistema econômico internacional.

Mas por que um país aceitaria o papel de estabilizador? Em primeiro lugar, porque evita, ou reduz a amplitude de uma crise mundial, que acaba por afetar também a potência global, pois uma economia mundial em crise reduz as exportações, o emprego e a renda em todos os países, inclusive na potência que recusa o papel de estabilizador. Em segundo lugar, porque ao desempenhar este papel a potência global consolida a sua hegemonia internacional, com fortes benefícios políticos, lembrando que hegemonia é liderança consentida, que somente é alcançada quando os demais países consideram esta liderança como sendo benéfica para todos.

Vamos viver tempos de profunda incerta e risco para a economia mundial.

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