COLUNISTA
Escrevi no artigo da semana passada que ainda existem vários mitos impedindo a compreensão adequada do funcionamento da economia moderna, até mesmo por parte de alguns economistas (é difícil resistir a um mito muito repetido). Afirmei também que, provavelmente, o mito mais danoso em relação à natureza da economia moderna é o de que a competição por inovação é algo secundário, tanto no sentido de que inovação é algo ocasional, quanto no sentido de que empresas inovadoras constituem minoria na economia, porque são empresas que atuam apenas em setores de tecnologia de ponta.
Este mito aparece em uma versão mais refinada, digamos assim, quando se identifica, corretamente, que o setor industrial de países menos desenvolvidos como o Brasil é composto majoritariamente por indústrias de tecnologia tradicional e a partir disso se conclui, erradamente, que a inovação nestas indústrias é desnecessária. O raciocínio implícito é que, sendo inovação coisa de atividade econômica de ponta (como a biotecnologia, a microeletrônica, as tecnologias digitais de vanguarda etc.), as indústrias tradicionais (como a indústria siderúrgica, a têxtil, a alimentícia e de bebidas, a movelaria etc.) não teriam nada a ver com inovações. Inovar nestas indústrias, como frequentemente costuma-se afirmar, seria jogar dinheiro fora.
Aqui há um equívoco que vem se tornando, infelizmente, cada vez comum, que é o de tratar uma situação complexa e com várias nuances como se fosse tudo ou nada: ou se trata de um setor de vanguarda tecnológica, e neste caso as inovações imperam, ou se trata de um setor tradicional, e aí não há inovações, ou elas são acessórias e pouco importantes.
Esta crença reflete o desconhecimento do que é uma inovação, desconhecimento este que resume a inovação apenas às chamadas inovações radicais, ou seja, as inovações que revolucionam um mercado, a partir de um produto completamente novo ou de uma forma drasticamente nova de produzir. Como se inovações fossem o resultado de ideias geniais de um professor pardal em seu estúdio.
Mas histórias em quadrinhos não são uma fonte adequada de informação sobre inovações e economia. O economista que chamou a atenção para o papel fundamental das inovações na economia moderna, Joseph A. Schumpeter (1883-1950), identificou cinco tipos de inovação. Além das inovações de produto e de processos produtivos, também são inovações: o desenvolvimento de novas matérias-primas, a abertura de novos mercados e a criação de novas estruturas organizacionais. A difusão das novas tecnologias de uso geral, como as tecnologias digitais, a biotecnologia, a impressão em 3D e a robótica vão estimular inovações nestes cinco sentidos nas indústrias tradicionais, até mesmo como condição para a sua sobrevivência no futuro.
Para entendermos como as novas tecnologias de uso geral vão estimular inovações nas indústrias tradicionais, temos de compreender antes qual é o problema econômico que estas indústrias enfrentam. Sendo indústrias tradicionais, suas tecnologias de produção já são amplamente conhecidas e difundidas. No jargão econômico, as indústrias tradicionais constituem setores que não apresentam barreiras à entrada significativas, ou seja, onde novas empresas podem se estabelecer facilmente, ao contrário do que acontece nos setores de ponta, onde a tecnologia é complexa e envolve aprendizado sendo, portanto, difícil estabelecer uma nova empresa. Assim, é fácil entrar nos setores que pertencem às indústrias tradicionais, o que aumenta a competição e força os preços para baixo, reduzindo a lucratividade. Porém, a absorção das novas tecnologias de uso geral está abrindo novas possibilidades para as indústrias tradicionais aumentarem sua lucratividade, alterando o padrão até aqui vigente de funcionamento dos mercados para os seus produtos.
Por exemplo, a biotecnologia já vem alterando as características da produção de alimentos, como ilustra o emprego de bactérias geneticamente modificadas para a produção de enzimas como a Lipase, que altera as gorduras nos alimentos e melhora o seu sabor. A incorporação de biotecnologia na produção de alimentos e de bebidas vem não apenas inovando o processo produtivo e oferecendo novos produtos, que são os dois primeiros tipos de inovação apontados por Schumpeter, mas vem também permitindo empregar novas matérias-primas e abrir novos mercados, especialmente aqueles mercados constituídos por consumidores que buscam produtos mais saudáveis, no próprio país ou no exterior, dois outros tipos de inovação identificados por Schumpeter. Tudo isto resulta em produtos mais valorizados e, desta forma, maiores lucros.
No campo da tecnologia digital temos, por exemplo, o uso da chamada internet das coisas, que é a conexão de máquinas e equipamentos pela internet. Considere a produção de elevadores, que é classificada como indústria de máquinas e equipamentos, uma indústria tradicional. Nela tivemos recentemente a associação entre a Microsoft, a ThyssenKrupp Elevator e a CGI, conectando redes de sensores instalados nos elevadores à internet, com os dados sendo armazenados na nuvem, de forma a monitorar do alinhamento da cabine à temperatura do motor, incluindo a velocidade dos cabos e o funcionamento das portas. O objetivo é permitir planos de manutenção preventivos, que evitem paradas por defeitos nos elevadores. Isto altera não apenas a forma como os elevadores são produzidos (uma inovação de processo) como também as características dos elevadores (inovação de produto), criando mercados para elevadores com exigências de segurança mais severas (uma outra forma de inovação), que são produtos mais valorizados e, portanto, geram maiores lucros.
Inovação, portanto, não é a cereja do bolo: é o próprio bolo na economia moderna, de forma radical nas indústrias de ponta, mas também nas chamadas indústrias tradicionais.
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