COLUNISTA
Ronaldo Fiani
O PIB dos Estados Unidos (produto interno bruto, a soma de todos os bens e serviços produzidos pelo país durante um ano) no primeiro trimestre deste ano apresentou resultado negativo: diminuição de 0,3% (a primeira queda desde o primeiro trimestre de 2022, quando o PIB diminui 1,4%, ainda sob influência da epidemia da Covid-19). O desempenho da economia norte-americana sempre produz uma grande ansiedade, uma vez que, de acordo com o tipo de medida que se use, ela ainda é a maior economia do mundo.
O problema é que as análises deste resultado não consideram as diferenças entre os gastos que determinam o PIB e, em princípio, os gastos que determinaram a queda do PIB norte-americano no primeiro trimestre não são suficientes para se determinar uma tendência. Para compreendermos isto, é preciso entender a natureza dos gastos que determinam o PIB. John Maynard Keynes (1883-1946), o economista mais importante do século XX,
estabeleceu que os gastos determinam a produção na economia. Isto é, ninguém produz bens ou serviços sem esperar que haja demanda por eles e, assim, os gastos esperados definem a produção total na economia e, portanto, o PIB. Contudo, os diferentes tipos de gastos apresentam comportamentos diferentes, e isso é fundamental para distinguir aqueles gastos que têm efeito transitório sobre o PIB, daquelas que têm efeito mais permanente e, por isto, mais importante.
O PIB é determinado por 4 tipos de gastos diferentes: o consumo das famílias, os gastos do governo, as exportações (descontado o valor das importações, que são gastos que se dirigem a economias de outros países), e os investimentos. O consumo depende da renda: quando a renda aumenta, o consumo também aumenta; quando a renda diminui, o consumo diminui. Como a renda de uma economia é resultado da produção de bens e serviços, ela é resultante do PIB. Segue-se que o consumo é dependente do PIB e, portanto, não tem a capacidade de afetar o PIB de forma autônoma. Somente gastos autônomos têm a capacidade de afetar o PIB.
Já os gastos do governo, as exportações e os investimentos não dependem do PIB. Os gastos do governo não dependem do PIB, apenas de decisões de política pública e, portanto, são uma variável autônoma. Desta forma, seu aumento pode fazer o PIB crescer, e sua diminuição pode fazer o PIB cair. A redução dos gastos do governo pela administração Trump foi justamente um dos fatores que fizeram o PIB norte-americano se contrair. Todavia, há um piso para a redução dos gastos do governo, piso este que, no caso dos Estados Unidos é bastante elevado, dada a participação dos gastos militares nos gastos do governo daquele país, que não devem ser cortados na administração Trump. Assim, os gastos do governo não devem prosseguir se reduzindo significativamente.
Também as exportações (deduzidas as importações) são um gasto autônomo, que não depende do PIB, e sim do estado da economia mundial. Ocorre que mudanças na economia mundial não acontecem repentinamente e, por conseguinte, as exportações dificilmente apresentam aumentos súbitos. Na verdade, foram as incertezas das tarifas de Trump que levaram importadores nos Estados Unidos a anteciparem suas importações, o que reduziu a
diferença entre exportações e importações e, consequentemente, contribuiu para a queda do PIB norte-americano.
Restam os investimentos, que dependem, por um lado, do custo de investir, que é determinado pela taxa de juros; e por outro, das expectativas de lucro associadas ao investimento. Por ser o resultado das expectativas dos empresários, o investimento privado é a variável mais volátil e, uma vez deprimido, leva tempo para se recuperar. O custo do investimento, dado pela taxa de juros tem se situado em um nível um pouco elevado, em torno
de 4,5% para os títulos públicos de 30 anos, em comparação com 3,0% em dezembro de 2018, antes da epidemia da Covid-19. Mas o problema principal não é este.
O problema principal é a incerteza em relação às expectativas de lucro dos investimentos nos Estados Unidos. Trump planeja atrair de volta as empresas norte-americanas que foram para o exterior. A realocação de fábricas da Ásia (China em particular) de volta para os Estados Unidos vai envolver custos que são muito difíceis de antecipar, especialmente os custos resultantes do desmonte das cadeias globais de valor, que se expandiram nos últimos
trinta anos. Estas cadeias globais vinham operando com grandes economias de escala, diluindo seus custos em volumes gigantescos de produção, atendendo não apenas o mercado norte-americano, mas vários outros mercados.
O seu desmonte vai elevar os custos de grandes empresas norte-americanas de forma imprevisível. Além destes custos do desmonte de cadeias globais de valor, também haverá os custos associados à reconstrução das cadeias de
fornecedores internos norte-americanos, que foi desmontada quando as fábricas que eram suas clientes foram para a Ásia.
Tudo isto deve impactar negativamente as expectativas de lucro dos empresários e suas decisões de investimento, mas os efeitos devem demorar para aparecer, porque investimentos envolvem encomendas de bens de capital, que levam tempo para a sua produção e respondem com defasagem às mudanças nas expectativas e nos gastos de investimento.
É importante prestar atenção no comportamento do investimento privado nos Estados Unidos nos próximos 6 meses.
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