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Ronaldo Fiani

COLUNISTA

Ronaldo Fiani

O Dólar e o Risco dos Blocos Comerciais


Ronaldo Fiani


Já tive a oportunidade em artigos anteriores de mencionar a importância de Robert Gilpin (1930-2018), cientista político da Princeton School of Public and International Affairs, um dos mais importantes do final do século XX e começo deste século. Ainda em suas obras nos anos 1980, entre as quais se destaca War and Change in World Politics Gilpin anunciava que a ordem mundial liberal, promovida pelos Estados Unidos a partir do acordo de Bretton
Woods no final da II Guerra (que criou o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional) teria de entrar em declínio.

Este declínio inevitável seria consequência dos ciclos de hegemonia global, que se iniciaram (dependendo da perspectiva histórica) a partir da hegemonia holandesa no século XVII, prosseguiram com a hegemonia britânica no século XIX e a hegemonia norte-americana a partir da segunda metade do século XX, especialmente a partir dos anos 1990, com o colapso de sua concorrente direta, a extinta União Soviética. Estes ciclos seriam determinados, de modo fundamental, pelas transformações tecnológicas que tornam a base econômica do país hegemônico progressivamente obsoleta, e transforma o país que almeja a posição de potência hegemônica em portador de inovações organizacionais e de novas tecnologias produtivas, que geram novas demandas políticas, as quais são difíceis de atender por potências que não se atualizam.

A derrocada da extinta União Soviética e dos países autointitulados socialistas teria sido, de acordo com Gilpin, justamente um reflexo da pressão exercida pela competição por hegemonia global. A sociedade soviética, estagnada e burocrática não teria conseguido acompanhar as transformações globais dos anos 1970-1980, e entrou em colapso. Com isto, os Estados Unidos assumiram plenamente e de forma incontestável o posto de potência
hegemônica mundial, com a responsabilidade de fornecer a estrutura institucional e a estabilidade necessária para a expansão da economia global.

Contudo, a economia moderna não para: as ondas de inovações tecnológicas e o surgimento de novos modelos organizacionais continuam gerando transformações profundas, e pressionando aqueles que ocupam a posição de potência hegemônica a se modernizar e acompanhar as mudanças. A dificuldade para acompanhar as transformações globais acaba comprometendo o papel da potência hegemônica, surgindo então novos candidatos à sua
posição. Gilpin chamou a atenção para o fato de que processos de transição em ciclos de hegemonia são turbulentos, e até mesmo caóticos. O descenso de uma potência hegemônica resulta na falência das instituições internacionais que ela criou, que forneciam a estabilidade necessária para o crescimento da economia mundial. As consequências disso são nacionalismos exacerbados, crises econômicas, redução de atividade comercial e até mesmo guerras.

Particularmente interessante é o fato de que, antes que uma nova potência hegemônica se estabeleça, estes momentos de crise provocam o surgimento de blocos comerciais mais ou menos fechados, em que o país mais importante do bloco (mais comumente uma potência regional) se estabelece como uma espécie de centro gravitacional, atraindo os países menos desenvolvidos para a sua órbita comercial. Isto foi o que aconteceu, por exemplo, no entreguerras, quando Alemanha e Grã-Bretanha constituíram seus blocos de comércio.

A consequência deste movimento é a fragmentação do comércio global, com a redução do crescimento da economia mundial e, por consequência, também das economias nacionais que dependem do crescimento global, como a economia brasileira com o seu agronegócio. Este cenário que Gilpin antecipou é bastante possível. Contudo, existe ainda um obstáculo à sua concretização: o emprego do dólar como moeda global. O dólar é internacionalmente aceito para transações comerciais e financeiras, na medida em que países e empresas globais mantêm ativos em dólar (como títulos da dívida pública norte-americana). Isso faz do dólar uma reserva de valor (ou seja, um ativo valorizado que é utilizado para acumular riqueza) em nível internacional.

Desta forma, sendo amplamente aceito, o dólar facilita transações comerciais e financeiras entre quaisquer mercados, o que conecta os vários mercados entre si. Enquanto o dólar for a moeda utilizada não apenas para viabilizar transações internacionais (mesmo entre países que não usam o dólar como moeda oficial), mas também como reserva internacional, esta possibilidade de um comércio mundial fragmentado em blocos não deve se concretizar, pois o dólar age como um denominador comum, ligando as economias regionais.

Todavia, um eventual colapso do valor do dólar seria o catalisador desse eventual processo de fragmentação do comércio mundial em blocos regionais mais ou menos fechados, com todas as consequências econômicas e políticas adversas que viriam daí, uma vez que blocos regionais têm maior dificuldade não apenas para promover o crescimento via comércio internacional, como também para gerar consensos políticos em questões globais.

Nunca a gestão do dólar como moeda global foi uma questão tão delicada.

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