COLUNISTA
Ronaldo Fiani
Discuti nos meus últimos artigos alguns mitos acerca do papel da inovação na economia moderna. Hoje, porém, vou abordar uma tese que não é exatamente um mito, e que durante bastante tempo foi considerada verdadeira até mesmo por Joseph A. Schumpeter (1883-1950), o economista que primeiro destacou o papel das inovações na economia moderna: a tese de que as inovações são típicas de grandes empresas. Esta tese estava baseada principalmente em duas observações. A primeira é a de que as grandes empresas têm mais recursos financeiros do que as empresas pequenas, o que lhes permite suportar melhor os riscos das inovações (nem sempre uma inovação é bem-sucedida). A segunda é a de que o investimento em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e de novos processos de produção exigiria alcançar uma escala elevada.
Vamos considerar inicialmente os riscos associados às inovações. Inovar significa introduzir produtos ou processos produtivos que ainda não existem, ou ainda abrir mercados que ainda não foram acessados, ou empregar matérias-primas que ainda não foram utilizadas, ou ainda adotar mudanças organizacionais distintas daquelas a que a empresa está acostumada. Portanto, há incerteza quanto à capacidade de a empresa adotar estas novidades, de forma que seu potencial lucrativo realmente se realize. Uma grande empresa possui recursos financeiros na forma de lucros acumulados e de acesso a volumes expressivos de crédito, que lhe permitem absorver eventuais prejuízos de uma inovação malsucedida, o que é mais difícil para uma pequena empresa.
Já a exigência de escala elevada é consequência natural de investimentos maciços em instalações, máquinas e equipamentos. Quando há grandes investimentos neste tipo de recursos, a produção tem de ser significativa para justificar o investimento, porque assim o custo destas instalações, máquinas e equipamentos se dilui em um grande volume de produtos. O mesmo acontece quando há investimentos expressivos em laboratórios, grandes bibliotecas, máquinas e equipamentos para a pesquisa e desenvolvimento (o chamado P&D) de novos produtos e novos processos produtivos: quanto maior o gasto, maior a necessidade de se obter um volume expressivo de inovações, para que o investimento se justifique.
Na época de Schumpeter, em meados do século XX, as tecnologias de ponta (basicamente eletricidade, eletrônica e química) exigiam grandes investimentos em laboratórios, máquinas e equipamentos para obter inovações. Também com a computação acontecia a mesma coisa, dado o investimento em grandes computadores, os chamados mainframes. Não é de se surpreender que Schumpeter, que destacou o papel das inovações na competição e na dinâmica da economia moderna, tenha identificado as grandes empresas como o agente inovador por excelência. Contudo, a passagem do século XX ao século XXI mudou bastante este quadro. A miniaturização da eletrônica acabou com os mainframes, substituídos pelos computadores de mesa e notebooks, e a internet permitiu o acesso a informação de modo descentralizado, retirando o monopólio de grandes volumes de informação das grandes bibliotecas e permitindo o acesso a outros pesquisadores de forma imediata e barata.
Tudo isto reduziu a necessidade de grandes volumes de investimento para a pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, diminuindo também os riscos associados à inovação. Além disso, a inovação em novas tecnologias como a biotecnologia apresentam uma necessidade maior de mão de obra especializada do que de equipamentos em seus primeiros estágios, demandando laboratórios e equipamentos mais caros nas fases mais tardias do processo, quando se realizam testes e experimentos em larga escala, os quais podem ser feitos em associação com outras empresas, que disponham de maiores recursos para bancar os riscos.
Também as startups, pequenas empresas voltadas para o desenvolvimento de inovações que transformem os mercados existentes têm contribuído para alterar a relação entre grandes empresas e inovações. As startups têm buscado novas formas de financiamento, de forma a absorver os riscos das inovações, especialmente com o auxílio de venture capital e por meio técnicas de gestão financeira como os fundos para contingências. Embora muitas vezes as startups sejam adquiridas por grandes firmas, especialmente quando é difícil para elas alcançar uma escala de produção adequada para entrar em um novo mercado, as startups têm contribuído para retirar das grandes empresas o monopólio da inovação tecnológica, com várias startups tendo conseguido até mesmo superar grandes empresas já estabelecidas, como foi o caso do Airbnb, da Tesla e da Netflix.
Isto não significa, contudo, que grandes empresas não têm mais nenhum papel importante na produção de inovações. Em alguns setores, como o setor automobilístico, a inovação está concentrada nos grandes fabricantes. Na verdade, há evidências na literatura econômica que a importância do tamanho da empresa para a inovação depende do tipo da tecnologia, não sendo possível traçar uma correlação simples entre tamanho e capacidade de inovação, como existia na época de Schumpeter.
Sem dúvida, porém, o efeito mais visível de que o império da grande empresa na inovação está acabando é o fato de que, se nos anos 1960 as 500 empresas mais importantes negociadas na Bolsa de Nova York (que compõem o índice S&P 500) duravam em média mais de 60 anos, atualmente sua duração média é de apenas 18 anos (ver: https://www.visualcapitalist.com/top-50-most-innovative-companies-2020/ ). Sua estabilidade vem sendo afetada por pequenas e médias empresas inovadoras. As oportunidades que esta nova situação abre para os países em desenvolvimento como o Brasil são fantásticas. Mas uma empresa nunca inova sozinha (veja meu artigo Nenhuma Empresa Inova Sozinha, Diário de Petrópolis, 14/04/2024, disponível em: https://diariodepetropolis.com.br/integra/colunista-ronaldo-fiani-1894 ). Ela precisa de uma série de condições. Será que vamos saber aproveitar a oportunidade?
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