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Ronaldo Fiani

COLUNISTA

Ronaldo Fiani

Não Podemos Esquecer da Importância dos Custos de Transação


Ronaldo Fiani


Desde a posse da nova administração norte-americana em janeiro deste ano, a política tarifária dos Estados Unidos tem sido surpreendente: o governo dos Estados Unidos não apenas tem elevado unilateralmente as tarifas de importação de forma discricionária, de acordo com o déficit que calcula ter com cada país, com idas e vindas no processo, mas, agora, no caso brasileiro, elevou as tarifas (de 10% para 50%, o que deve começar a valer em 1º de agosto), em função de objetivos declaradamente políticos (o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e os planos dos BRICS de estabelecer uma moeda comum), sem qualquer consideração comercial aparente, até porque o Brasil tem apresentando déficit com os Estados Unidos desde 2009.

Os critérios utilizados pelo governo norte-americano para calcular as tarifas têm sido objeto de críticas praticamente unânimes por economistas com diferentes posições políticas. Além disso, a própria prática protecionista é rejeitada pela maioria da profissão, por reduzir os ganhos no comércio. Contudo, não vou abordar estes dois pontos aqui, até porque, como mencionei em artigo anterior (Há Estratégia nas Tarifas de Trump, Diário de Petrópolis, 16 de março de 2025), a estratégia econômica do governo Trump é mais ampla do que simplesmente proteger o mercado norte-americano para os produtos daquele país, mas pretende também reduzir o valor do dólar, forçando os países a reduzirem suas reservas naquela moeda.

Todavia, conforme afirmei no começo deste artigo, com a adoção das novas tarifas para o Brasil, a administração norte-americana parece ter expandido seus objetivos, agora empregando as tarifas para alcançar metas essencialmente políticas. Na medida em que aumentos de tarifas parecem ter se tornado instrumentos para qualquer objetivo, mesmo que seja político, torna-se necessário discutir um efeito das tarifas que até agora não tem sido considerado, e que deve se agravar com a ampliação da política norte-americana de aumentos tarifários significativos e surpreendentes, com idas e vindas erráticas: o impacto nos custos de transação do comércio internacional.

Este efeito não tem sido considerado porque economistas com formação mais convencional não consideram os custos de transação, mas apenas os custos de produção. A desconsideração dos custos de transação é uma prática didática comum, que visa a facilitar a compreensão pelo estudante da teoria econômica mais básica. O problema é que muitos economistas param por aí, trocando a realidade por uma simplificação conveniente.

A verdade é que, além dos custos de produção, isto é, os custos da manufatura de um bem ou da prestação de um serviço, há também os custos associados às transações envolvidas tanto na aquisição dos insumos utilizados para a manufatura do bem ou prestação do serviço, como também na venda final. Isto porque, sempre que acontece uma transação é preciso negociar, formalizar e garantir um acordo quanto aos termos da transação, e todas estas etapas tendem a envolver custos, que podem ser maiores ou menores, dependendo do nível de complexidade da transação. Não é diferente com o comércio internacional: ele também envolve negociação, formalização e garantia de acordos. Logo, também envolve custos de transação. De forma ainda mais grave, a estabilidade do comércio internacional depende de contratos de longo prazo, que, por definição, são contratos que envolvem elevados custos de transação, pois, pela sua longa duração, estes contratos acarretam negociações, formalização e garantias complexas.

Estes contratos de longo prazo são comuns em petróleo e gás (como o acordo do QatarEnergy com a Korea Gas Corporation para fornecer gás natural liquefeito para a Coreia do Sul por 20 anos, a contar de 2024); em matérias-primas (como o acordo da BHP para fornecer minério de ferro para Wuhan Iron and Steel, Maanshan Iron and Steel, Jiangsu Shagang Group e Tangshan Iron and Steel, empresas siderúrgicas chinesas, assinado em 2004 com duração de 25 anos); em semicondutores (como acordo GlobalFoundries e Qualcomm, envolvendo fábricas nos Estados Unidos, França e Singapura para o fornecimento de chips para automóveis, wi-fi e internet das coisas até 2028), em peças de automóveis (como o acordo Bosch-BYD, para peças de carros elétricos, com previsão até 2028), etc.

Quando as circunstâncias que envolveram esses e outros tipos de acordos semelhantes mudam, os termos em que os acordos foram acertados em geral deixam de atender aos interesses de algumas das partes envolvidas, ou até de todas elas. Isso pode levar a novas negociações com as partes envolvidas, ou até, em casos extremos, ao fim do acordo e a novas negociações com outras empresas. Em qualquer um dos casos, haverá novos custos para
negociar, formalizar e garantir os acordos, o que contribuirá para reduzir a lucratividade dos participantes. Como a toda hora o governo norte-americano anuncia novas tarifas e, pelo visto, pretende usá-las de acordo com seus objetivos políticos, o leitor pode imaginar o transtorno crescentes e os custos que irão se acumulando.

Mas os problemas não terminam aí. Esses acordos comerciais de longo prazo frequentemente envolvem investimentos em conjunto pelas partes envolvidas, de forma a garantir a lucratividade das transações. Por exemplo, uma montadora de automóveis e seu fornecedor internacional podem ter de realizar investimentos, para adequar as peças fornecidas às plataformas produzidas pela empresa montadoras. Como acontece muitas vezes, com a
descontinuidade dos acordos estes investimentos ficam prejudicados, e as empresas envolvidas sofrem perdas.

Por tudo isso, o horizonte de investimento das empresas que atuam globalmente se torna nebuloso e desestimulante. Os investimentos se reduzem. Tudo isto terá impactos negativos na economia global.

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