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Ronaldo Fiani

COLUNISTA

Ronaldo Fiani

O Enigma do Ouro


Ronaldo Fiani


Gold is money, everything else is credit (Ouro é dinheiro, tudo o mais é crédito) J.P. Morgan (banqueiro e financista norte-americano, (1837-1913) No artigo desta semana preciso chamar a atenção para um fenômeno enigmático, que não vem recebendo a devida atenção dos economistas em nosso país: a alta sustentada do preço do ouro em dólares no mercado internacional, há pelo menos três anos. O adjetivo “enigmático” se justifica porque o comportamento do preço internacional do ouro tem sido muito diferente daquilo que se espera: normalmente o ouro é considerado um ativo de segurança para tempos de crise e, portanto, seu preço se eleva somente em momentos críticos da economia mundial, retornando depois aos patamares anteriores quando a crise é superada.

Até 2022, o comportamento do preço do ouro vinha obedecendo ao padrão usual de ativo de momentos de crise. Com efeito, se observarmos os últimos dez anos, o ouro apresentou um primeiro movimento de alta no começo de 2019, por conta do surgimento da epidemia da COVID-19, quando partiu de um patamar em torno de 1.200 dólares a onça em maio de 2019, até atingir mais de 1.960 dólares em junho de 2022, um aumento de aproximadamente 63%. Até então, os preços internacionais da onça do ouro vinham se mostrando relativamente estáveis, oscilando entre 1.200 e 1.400 dólares.

Com o arrefecimento da pandemia, como era esperado, o preço do ouro começou a cair: entre agosto de 2020 e outubro de 2022, o preço do ouro se reduziu de pouco mais de 2.070 dólares para pouco mais de 1.600 dólares. Todavia, desde então (o que significa há quase três anos) o preço internacional do ouro tem se elevado de forma consistente, salvo pequenas oscilações de curto prazo, estando atualmente próximo dos 3.500 dólares, o que significa um aumento em torno de 119%! Este aumento constante do preço do ouro há quase três anos desafia a hipótese de que o ouro continue funcionando apenas como ativo de garantia para momentos de crise. Este comportamento consistente sugere que está em curso uma mudança estrutural na forma como o ouro é utilizado em seu papel de ativo global.

Para entender o que está havendo, temos de considerar incialmente o que determina o preço do ouro no mercado global. A resposta é simples: oferta e demanda. A oferta global de ouro cresce muito lentamente: ela tem crescido a uma taxa anual média de 1% ao ano, pois projetos de mineração em geral demandam longos períodos de planejamento e execução, além de terem de enfrentar frequentemente problemas ambientais. Como a oferta cresce muito
devagar, qualquer aumento significativo na demanda provoca aumentos expressivos de preços. Portanto, a evolução dos preços internacionais do ouro mostra que a demanda vem se mostrando 2
intensa e se elevando há três anos, mesmo depois do final da crise provocada pela pandemia. O que está havendo?

A resposta está no comportamento dos bancos centrais. Dados mostram que bancos centrais adquiriram mil toneladas de ouro no ano passado, e que apenas no primeiro trimestre deste ano eles compraram 225 toneladas, o que representa 25% da demanda global por ouro ( https://supplychaindigital.com/supply-chain-risk-management/soaring-gold-demand-banks-drive-purchases ). Há, portanto, uma clara estratégia de vários bancos centrais no sentido de aumentar a participação do ouro nas suas reservas internacionais.

Com efeito, o banco central chinês vem aumentando suas reservas internacionais de ouro a uma taxa média impressionante de 15% ao ano, e há analistas que afirmam que este número é subestimado, pois, segundo eles, o banco central da China teria meios de adquirir ouro que não seriam contabilizados de forma explícita. Mas não apenas o banco central da China estaria agindo assim: outros bancos centrais estariam adotando a mesma estratégia de aumentar a participação do ouro em suas reservas, às custas de outras moedas, inclusive (e talvez principalmente) o dólar.

No período 2022-2024 o banco central da Índia adquiriu aproximadamente 241 toneladas, visando à desdolarização de parte de suas reservas. No mesmo período, o banco central da Turquia adquiriu em torno de 216 toneladas. Não por acaso, os BRICS representam hoje somados mais ou menos 20% das reservas mundiais em ouro, capitaneados por Rússia (que vem comprando ouro desde as sanções norte-americanas por conta da Guerra da Ucrânia),
China e Índia. Mesmo a Arábia Saudita, conhecida pela sua posição historicamente conservadora em relação ao dólar, vem investindo na mineração de ouro. Isto sem contar países como a Alemanha, que historicamente mantém a maior parte de suas reservas (67%) em ouro.

Portanto, a resposta deste enigma está na frase que serve como epígrafe deste artigo. J. P. Morgan estava certo: com exceção do ouro, o valor de qualquer outra reserva depende da política monetária do país emissor e, assim, é como se fosse um crédito para o país que emite a moeda. Por exemplo, o valor das reservas em dólares e em qualquer outra moeda depende da taxa de juros que o banco central do país emissor estabelece. Assim, reduções de taxa de juros tendem a reduzir o valor da moeda, pois tornam menos atraentes as aplicações financeiras no país, atraindo menos capital externo e reduzindo a demanda pela moeda. O movimento em direção ao ouro indica, portanto, um aumento progressivo e significativo na desconfiança de vários países com relação à capacidade do dólar de continuar funcionando como uma reserva global de valor, ou seja, como um ativo que pode ser usado para conservar poder de compra ao longo do tempo.

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