COLUNISTA
Ronaldo Fiani
Um conceito muito importante em economia política internacional é o conceito de sistema internacional. Trata-se de um conceito diferente daquele empregado em relações internacionais. De forma muito simplificada, do ponto de vista das relações internacionais, o sistema internacional é constituído pelo conjunto de estados independentes, incluindo suas relações políticas, que definem sua hierarquia de poder. Já em economia política internacional, o
sistema internacional é constituído pelos estados nacionais independentes com suas relações políticas mas também econômicas, que definem não apenas sua hierarquia de poder, mas também a distribuição e acumulação de riqueza entre eles.
O sistema internacional que foi construído a partir do começo dos anos 1990, com o colapso da antiga União Soviética, acabou. Embora o uso pelo atual governo dos Estados Unidos de tarifas comerciais como instrumento de pressão econômica e política tenha sido a pá de cal no sistema internacional pós-colapso soviético, ele já vinha demonstrando sinais de crise há algum tempo, evidenciados pela ascensão chinesa à liderança do comércio mundial.
Isto porque um sistema internacional exige para o seu funcionamento adequado a liderança de uma potência hegemônica, que comande o comércio e as finanças globais. Foi assim com os Países Baixos no século XVII, com a Inglaterra no século XIX e com os Estados Unidos a partir do final da Segunda Guerra. Desde meados dos anos 2010, contudo, vivemos uma situação em que a potência que exerce a liderança política sobre o sistema os Estados
Unidos não é a mesma que comanda o comércio internacional e o crescimento global a China. Isto, apesar de os Estados Unidos prosseguirem como centro financeiro internacional. O que fazer diante deste quadro? Para começar responder a esta pergunta, é necessário olhar para trás, para o sistema que está falindo, porque ele vinha condicionando fortemente a política econômica adotada em países como o Brasil, e compreender que o tipo de política econômica que vínhamos adotando não apenas se esgotou, mas vai produzir resultados nocivos se continuarmos insistindo nela.
No final de 1991 uma tarefa se colocava com urgência para as principais lideranças ocidentais, em particular os Estados Unidos, que assistiam então ao colapso da União Soviética e dos países liderados por ela: o que fazer com uma parte apreciável do globo, o chamado mundo socialista, que estivera basicamente à parte das relações políticas e econômicas dos principais países capitalistas?
A resposta envolveu, entre outras coisas, a criação de instituições multilaterais como a OMC, responsável não apenas pela integração dos países do antigo mundo socialista ao comércio internacional, mas também por redefinir as regras dos mercados globais e de soluções de disputas comerciais, de forma estabelecer padrões de liberdade econômica que não apenas os antigos países socialistas, mas agora também os países capitalistas teriam de obedecer. Ao mesmo tempo, expandiram-se as relações financeiras entre as principais potências econômicas do mundo, destacadamente os Estados Unidos, e os antigos países socialistas e do chamado Terceiro Mundo.
O padrão passou a ser, portanto, a liberdade comercial e financeira. Em consequência, as políticas econômicas tornaram-se cada vez mais passivas, mesmo por parte dos chamados países menos desenvolvidos, pois acreditava-se que as liberdade comerciais e financeiras em um mundo sem barreiras políticas e econômicas seriam suficientes para promover a superação do atraso econômico e social, desde que os governos não interviessem no livre funcionamento dos mercados. Coerentemente com esta visão, muito economistas passaram a rejeitar o debate sobre desenvolvimento econômico, pois qualquer política de desenvolvimento seria “intervencionista” e, portanto, errada.
Todos sabemos que isto não aconteceu. Na verdade, o único país a apresentar índices de progresso consistentes no período foi a China, onde o fluxo de capitais estrangeiros e o câmbio são severamente controlados. No caso de países como o Brasil, o fim dos controles adotados durante o regime militar não significou redução na distância para os países desenvolvidos. Com efeito, se formos analisar o PIB per capita (produção total de bens e serviços do país em um ano, dividida pelo número de habitantes), um indicador da riqueza do país, obtemos um valor de 2.581,1 dólares no Brasil em 1990 e de 23.888,6 dólares nos Estados Unidos para o mesmo ano, segundo dados do Banco Mundial.
Já em 2007, antes da crise de 2008, o mesmo PIB per capita era de 7.409,7 dólares no Brasil e de 48.050,2 dólares nos Estados Unidos. Ou seja, enquanto em 1990 o PIB per capita brasileiro era aproximadamente 10,8% do seu equivalente nos Estados Unidos, em 2007 o PIB per capita brasileiro era 15,4% do norte-americano. Um progresso muito, mas muito pequeno (para quem estiver curioso, o PIB per capita do Brasil em 2024 foi de 10.280,3 dólares, e o dos Estados Unidos foi de 85.809,9 dólares, ou seja, o PIB per capita do Brasil no ano passado foi de aproximadamente 12% do norte-americano).
Ocorre que no atual quadro de colapso do sistema internacional, não poderemos contar com os fluxos de comércio e financeiro que eram antes a base do sistema. Neste quadro, manter políticas passivas e rejeitar a ideia de uma política ativa de desenvolvimento vai nos manter estagnados, na melhor hipótese, ou mais grave, vai nos atrasar ainda mais. Qualquer uma das duas situações envolvem riscos muito elevados para um país com 200 milhões habitantes.
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