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Ronaldo Fiani

COLUNISTA

Ronaldo Fiani

Por Que o Ouro Está Substituindo o Dólar?


Ronaldo Fiani


Seja como moeda nacional circulando em um país, seja funcionando como moeda internacional, uma moeda desempenha principalmente as funções de meio de troca, ou seja, instrumento para realizar transações, e de reserva de valor. Nesta última função, a moeda serve para preservar riqueza, transferindo poder de compra do presente para o futuro. As duas funções estão relacionadas: para funcionar como reserva de valor, uma moeda deve ter uma participação importante no comércio global, pois é esta participação elevada que a valoriza.

Ao fim da Segunda Guerra, o dólar desfrutava de uma posição inédita no Ocidente: todos os possíveis rivais tinham sido devastados pelo conflito: Reino Unido, Alemanha, França e Japão. Como a capacidade produtiva destes países tinha sido literalmente reduzida a cinzas, pouca era a produção de que dispunham para vender no mercado internacional e, desta forma, não havia demanda pelas suas moedas.

Ao contrário destes países, os Estados Unidos saíram da Segunda Guerra com a sua produção intacta, sendo a única potência industrial com capacidade para ofertar no mercado mundial. Consequentemente, o dólar assumiu o papel não apenas de meio de troca, mas também de reserva de valor. Portanto, acumular dólares era a principal forma de preservar poder de compra para o futuro. Tanto que havia ao final da Guerra o receio generalizado de uma
“escassez de dólares”, ou seja, que incapazes de vender para os Estados Unidos por não disporem de capacidade produtiva, os países europeus e o Japão não conseguissem os dólares necessários para pagar pelas importações daquele país, de que precisavam para reconstruir suas economias.

Este problema foi solucionado com os programas de reconstrução bancados pelos Estados Unidos, que forneceram os dólares de que os países precisavam. O dólar assumiu então o papel de moeda global: de acordo com estimativas (ver: EICHENGREEN, Barry; CHIU, Livia; MEHL, Arnaud. Stability or upheaval? The currency composition of international reserves in the long run. IMF Economic Review, v. 64, n. 2, p. 354-380, 2016), em 1950 a
participação do dólar nas reservas internacionais era de 75%, tendo alcançado 85% em 1968. No início dos anos 1970 esta posição foi reforçada, quando o governo norte-americano conseguiu que a Arábia Saudita se comprometesse a aceitar exclusivamente dólares em pagamento pelo petróleo que produzia, no que foi seguida pelos demais países produtores do Oriente Médio.

Todavia, a proporção de dólares nas reservas internacionais dos bancos centrais nos principais países do mundo tem variado desde então, e vem declinando de forma praticamente constante desde 2010, passando de 64% naquele ano para 58% em 2024. Já destaquei em outro artigo o crescimento do ouro nas reservas internacionais (O Enigma do Ouro, Diário de Petrópolis, 3 de agosto de 2025, disponível em:
https://diariodepetropolis.com.br/integra/colunista-ronaldo-fiani-28946 ). Esta tendência não tem se alterado, mesmo as compras de ouro tendo sido mais modestas recentemente, pois a estratégia de rebalanceamento das reservas em favor do metal por bancos centrais vem sendo atendida simplesmente pelo aumento do seu próprio valor. Com efeito, o ouro tem aumentado a sua participação nas reservas internacionais desde 2016, passando de 4,9% para naquele ano para 7,2% em 2024. Assim, parte deste aumento na participação do ouro resulta de compras do metal, e parte de sua valorização.

Alguns autores têm apontado a crise política global como responsável pela redução de dólares nas reservas, em razão dos países que enfrentam sanções norte-americanas buscarem alternativas ao dólar, para evitar ou minimizar os efeitos de bloqueios e sanções. Todavia, é pouco provável que a política internacional seja o fator mais importante, uma vez que a maior parte dos dólares retidos em reserva por bancos centrais pertencem a países aliados dos Estados Unidos. Além disso, a redução da participação do dólar começou em 2010, bem antes da invasão russa da Criméia.

Na verdade, a queda na participação do dólar nas reservas internacionais possui uma explicação simples: desde 2000, a participação dos Estados Unidos no comércio global vem declinando. Com efeito, a participação dos Estados Unidos se reduziu de 16,5% do comércio global em 2000, para 10,3% em 2024. De forma ainda mais grave, a queda da participação foi contínua, somente tendo se estabilizado em 2023-4 em 10,3%.

Desta forma, o que está acontecendo é uma diminuição progressiva na demanda por dólares como meio de troca, fruto da redução da participação norte-americana no mercado mundial. Esta redução na demanda por dólares como meio de troca tem incentivado a opção pelo ouro como um ativo que pode ser transformado em qualquer moeda, pela sua elevada liquidez.

Mas, dada a atual instabilidade, vamos observar atentamente a política norte-americana para o dólar nos próximos meses.

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