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Ronaldo Fiani

COLUNISTA

Ronaldo Fiani

Cuidado, Os Mercados Não Antecipam o Caos Embora Muitos Ainda Acreditem


Ronaldo Fiani

O leitor com certeza já ouviu a frase “os mercados punem” em alguma coluna de jornal ou entrevista de economista, referindo-se ao argumento de que os mercados financeiros desvalorizariam papéis tais como títulos de dívida pública ou ações de empresas, quando há má gestão (seja da política econômica, seja da empresa em questão). Esta ideia está associada à tese econômica de que os mercados financeiros são eficientes, proposta por Eugene Fama da Universidade de Chicago, vencedor do Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel de 2013.

A ideia é simples. Uma situação de eficiência em economia é aquela em que não há desperdício. Como os mercados financeiros funcionam basicamente usando informações para avaliar os ativos, afirmar que os mercados são eficientes significa dizer que eles não desperdiçam nenhuma informação, que possa ser útil com relação às perspectivas de valorização dos ativos. Assim, os valores dos ativos refletiriam todas as informações disponíveis sobre eles.

Por que isso?

Porque os investidores seriam racionais, ou seja, agiriam de forma coerente com o seu objetivo de obter o máximo ganho. Assim, buscariam todas as informações necessárias para avaliarem corretamente o ativo em que desejam investir. Além disso, desenvolveriam análises econômicas coerentes e bem-formuladas da situação econômica que afeta o ativo em questão, antes de realizarem suas aplicações financeiras. As recentes reviravoltas do governo norte-americano disputas tarifárias, a aprovação da polêmica 'Big Beautiful Bill' com seu ambicioso aumento de gastos, e as crescentes pressões sobre o Federal Reserve deveriam acender o alerta nos mercados. A independência do banco central, pilar de uma política monetária voltada à estabilidade de preços, está sob ataque, e isso importa: investidores sabem que a inflação acelerada corrói o valor de seus ativos.

Diante desse cenário, de acordo com a teoria dos mercados eficientes seria natural esperar reflexos imediatos no valor dos títulos da dívida pública dos EUA, os famosos treasuries, e na cotação do dólar. Portanto, um analista que confiasse na eficiência dos mercados esperaria um aumento expressivo nas taxas de juros dos treasuries, com investidores inseguros exigindo muito mais para aplicar nos títulos do governo norte-americano, e uma queda expressiva no valor do dólar, com investidores menos interessados em adquirir dólares para aplicar nos Estados Unidos.

Contudo, se olharmos as taxas de juros dos treasuries com maturidade de 2, 10 e 30 anos, apesar de terem se elevado a partir do meio deste ano, ainda estão longe de representar um problema, situando-se todas abaixo do nível em que se encontravam no final do ano passado. Ao mesmo tempo, embora o dólar tenha caído acentuadamente no segundo trimestre desta ano, ainda está em um patamar semelhante que se encontrava em meados de 2019, antes do começo da pandemia. Resumindo, os mercados mudaram pouco, em comparação com o terremoto de política econômica que a nova administração dos Estados Unidos está provocando. Podemos concluir então que está tudo bem?

Não necessariamente. Se os mercados fossem realmente eficientes, ou seja, se eles empregassem toda a informação que possuem de forma coerente, eles teriam emitido alertas antecipados acerca das crises econômicas que temos presenciado nos últimos 20 anos, e não foi isso que aconteceu. O economista Paul Krugman, vencedor do Prêmio em Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel do Banco Central da Suécia de 2008, reuniu dados que mostram que os mercados são complacentes, só apresentando um comportamento anormal quando já é óbvio que uma crise está em curso (ver: https://paulkrugman.substack.com/p/why-arentmarkets-freaking-out ).

Por exemplo, na crise do subprime (empréstimos imobiliários de alto risco) de 2007-8 havia claros indícios de uma valorização irrealista (como se diz, uma “bolha”) dos imóveis desde 2005 e, apesar disso, no começo da crise os imóveis ainda continuavam muito valorizados. Ou seja, o preço deste tipo de ativo ainda não tinha sido plenamente “corrigido” para refletir as informações que já estavam disponíveis. Da mesma forma, os sinais da crise na
área do euro de 2009 já estavam presentes em meados dos anos 2000, mas não se refletiram, por exemplo, nos juros dos títulos públicos espanhóis, um dos países mais atingidos pela crise.

Em resumo, os mercados muitas vezes não tocam o alarme (se é que alguma vez o fazem), quando algo vai mal. Como explicar isto? Os investidores não são racionais? Há vários problemas aqui. Herbert Simon (19186-2001), ganhador do Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel de 1978 afirmava que, mesmo que as pessoas tentem ser racionais, elas têm meios limitados para agir racionalmente. Em seus termos, as pessoas têm
racionalidade limitada. Isto porque elas enfrentam limitações na sua capacidade de processar, transmitir e armazenar informações. Processar diz respeito à capacidade de compreender as informações, transmitir tem a ver com a capacidade de obtê-las, e armazenar diz respeito à capacidade de reter informações. Portanto, elas exercem sua racionalidade de forma imperfeita.

Além disso, há uma série de evidências das chamadas finanças comportamentais de que as pessoas muitas vezes agem de forma irracional: em momentos de euforia nos mercados financeiros, os investidores tendem a ignorar os riscos; já nos momentos de crise agem por pânico, e desvalorizam ativos que não teriam, em princípio, problemas.

O que significa tudo isto? Primeiro, que respostas simples (como a hipótese de mercados eficientes) são perigosas. Segundo, que é preciso ter cuidado antes de afirmar que tudo vai bem, apenas olhando os mercados.

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