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Ronaldo Fiani

COLUNISTA

Ronaldo Fiani

A Economia Norte-Americana Está Correndo no Ar


Ronaldo Fiani


Os mais velhos devem lembrar de uma cena bastante comum nos desenhos animados dos anos 1950, que fizeram sucesso na televisão brasileira por muito tempo. O herói do desenho era perseguido por um vilão, em uma corrida desenfreada. Subitamente, o herói parava e dava um passo para o lado, deixando o vilão passar direto e correr para além da beirada de um precipício (ou do telhado de um edifício, a circunstância variava), em pleno ar. O vilão
continuava correndo no ar, até se dar conta de que não havia mais chão sob o seus pés. Então ele parava, olhava triste para o espectador, e caía.

A metáfora que interessa aqui é que o vilão somente caía depois de se dar conta de que não havia mais chão sob os seus pés. Com as economias, às vezes acontece uma coisa parecida: seus ativos seguem se valorizando por longos períodos além do seria justificado, dado o crescimento da economia.

Para os leitores que não estão familiarizados com a análise econômica, o mecanismo normal funciona assim: o crescimento da renda na economia aumenta a demanda por ativos financeiros e imobiliários, como forma de estocar riqueza. Este aumento progressivo da demanda valoriza este ativos, mais ou menos no ritmo do crescimento da economia. Este funcionamento normal porém, acaba sendo distorcido: a perspectiva dos ganhos derivados do crescimento da economia (que aumenta os lucros das empresas) e da valorização dos ativos (que amplia o estoque de riqueza dos seus proprietários) tende a ser superestimada, o que leva a uma expansão do crédito além do que seria prudente.

Este financiamento imprudente se destina tanto a financiar novos projetos de empresas que exageram suas expectativas de lucratividade, quanto a financiar a aquisição dos ativos que estão se valorizando. Este último tipo é especialmente explosivo. Especuladores compram ativos com crédito, na expectativa de que eles continuem se valorizando, e eles consigam vendê-los mais caros do que foram comprados, pagando assim suas dívidas e obtendo um lucro. Este processo se transforma em uma bola de neve, pois comprar os ativos com financiamento para vendê-los ainda mais caro no futuro faz com que seus preços se elevem ainda mais, tornando o  negócio cada vez mais lucrativo.

O problema é que, como a valorização dos ativos tem como base a própria valorização dos ativos a partir da demanda bancada com crédito, e não o crescimento da renda da economia, trata-se de algo parecido com correr no ar nos desenhos animados antigos: só funciona enquanto ninguém se der conta de que a valorização dos ativos não tem uma base real. O problema é que em algum momento a realidade acaba se impondo: em geral, uma sucessão de projetos de empresas falidos, ou a dificuldade dos especuladores em quitar suas dívidas (porque superestimaram a valorização futura dos ativos) faz com que os bancos retraiam o crédito, o que desmonta a bola de neve e precipita a economia em uma crise de grandes proporções. A crise do mercado de subprime (o mercado de hipotecas com risco elevado nos Estados Unidos) em 2008, que lançou uma recessão global seguiu este modelo.

No meu artigo “A Gigantesca Bolha Especulativa Norte-Americana” (Diário de Petrópolis, 6 de abril de 2025), no período 2015-2024 nos Estados Unidos, o produto interno bruto (o PIB, a soma de todos os bens e serviços produzidos pela economia no ano) cresceu 59,6%. Contudo, a valorização do ativos aumentou bem mais do que isso. Por exemplo, entre dezembro de 2014 e dezembro de 2024, o índice Standard & Poor’s 500 (S&P 500 que mede a valorização das 500 maiores empresas da Bolsa de Nova York) se valorizou em 185,7%. No caso dos imóveis, o Federal Housing Finance Agency (FHFA) House Price Index (índice de preço de residências da Agência Financiadora Federal de Habitações) mostrou no mesmo período uma valorização de 109,3%.

Esta valorização foi motivada por vários fatores, entre eles as aplicações financeiras nos Estados Unidos dos dólares que outros países ganharam, exportando para os Estados Unidos. Contudo, há sinais de riscos crescentes no lado financeiro. As dívidas dos consumidores alcançaram um recorde de $18,2 trilhão de dólares no primeiro trimestre deste ano, de acordo com o Federal Reserve de Nova York. Além disso, os bancos regionais estão especialmente vulneráveis a hipotecas garantidas por imóveis comerciais.

Mas a economia norte-americana prossegue correndo no ar.

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