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Ronaldo Fiani

COLUNISTA

Ronaldo Fiani

Não Basta Apenas Reindustrializar


Ronaldo Fiani


Está se criando um consenso relativamente amplo (pelo menos, amplo na medida em que é possível obter algum consenso atualmente) de que o país se desindustrializou. Muitos economistas se recusavam a reconhecer a desindustrialização nos anos 1990, quando ela progredia a passos largos, em parte pelo câmbio fixado em 1 real a 1 dólar por 5 anos, de julho de 1994 a janeiro de 1999, a partir do plano real, que barateou as importações ao mesmo tempo em que encarecia as exportações brasileiras, devastando a competitividade das exportações do país.

Esta recusa tinha várias origens, entre elas uma crença de que indústria não era mais importante: o dinamismo da economia viria agora do setor de serviços, segundo alguns economistas. Com o tempo, percebeu-se que o setor de serviço é uma mistura de coisas muito diferentes, indo desde o salão de barbearia na esquina até uma empresa de desenho de microchips de última geração, como a NVIDIA. Obviamente, seus impactos sobre a produtividade e a renda são muito diferentes: enquanto o salão produz serviços de baixo valor agregado, com baixa produtividade e gerando pouca renda, a NVIDIA produz projetos para chips de alto valor agregado, com elevada produtividade e, assim, gerando renda elevada.

Além de ser uma mistura muito heterogênea, os segmentos dos serviços com alto valor agregado estão sempre ligados a uma atividade industrial, seja diretamente em uma empresa que produz um bem utilizando estes serviços, ou indiretamente, em uma cadeia global de produção. Quando a atividade produtiva é uma etapa sensível do processo produtivo, em geral a empresa que elabora o serviço também cuida da produção. Aqui chegamos ao ponto deste artigo. Sem dúvida, reindustrializar é fundamental: um país de 200 milhões de habitantes com 84,8% de sua população sendo urbana, segundo o censo de 2022, não conseguirá progredir sem empregos nas cidades, que dependem essencialmente da indústria e dos seus serviços associados. Mas isto não significa que devemos reindustrializar tendo como base qualquer tipo de indústria. Isto não era verdade nem mesmo na época em que
os pioneiros do estudo sobre o problema do desenvolvimento econômico escreveram, os anos 1940, 1950 e 1960: economistas como Paul Rosenstein-Rodan (1902-1985) e Albert O. Hirschman (1915-2012) já destacavam a importância do desenvolvimento de indústrias de insumos básicos, ainda que usassem o termo industrialização como sinônimo de desenvolvimento econômico.

Hoje em dia, a situação apresenta vários aspectos novos e importantes. Em primeiro lugar, desde os anos 1990 estamos assistindo ao desenvolvimento de cadeias globais de produção, as chamadas cadeias globais de valor, que distribuem a produção dos bens industriais em várias etapas, executadas por empresas de diferentes países. Enquanto as etapas mais sofisticadas tecnologicamente, que envolvem mais conhecimento técnico e científico se
concentram nos países avançados da Europa, no Canadá e nos Estados Unidos, ou nos países mais desenvolvidos da Ásia, como a República da Coreia, Taiwan ou as regiões mais desenvolvidas da China, as etapas que envolvem tecnologia mais tradicional e menor nível de desenvolvimento tecnológico se distribuem em países com mão de obra mais barata, como Paquistão, Vietnã e Camboja.

Isto significa que as atividades mais tradicionais estão sob constante pressão para reduzir seus preços, pois as etapas mais simples das cadeias produtivas globais podem ser substituídas a qualquer momento por fornecedores de um país mais pobre. Isso reduz muito a lucratividade nestas etapas, forçando as empresas que nelas atuam a reduzir sua margem de lucro a quase zero. Já as etapas tecnologicamente mais complexas envolvem poucas empresas globais, pois o desenvolvimento deste tipo de tecnologia envolve aprendizado e investimento em pesquisa e desenvolvimento, o que demanda tempo e limita o número de competidores.

Além disso, as plataformas de comércio digital (como a Amazon, o Mercado Livre, Shopee etc.) intensificaram a competição nos setores da indústria de bens de consumo tecnologicamente mais simples, como vestuário, calçados, móveis, utilidades domésticas e eletrodomésticos. Estes setores mais tradicionais também têm sido obrigados a reduzir dramaticamente suas margens, pois um fabricante do Brasil, por exemplo, é obrigado a disputar
o mercado com vários fabricantes de diferentes países asiáticos.

Por tudo isso, ainda que seja também importante desenvolver as indústrias tradicionais no Brasil, pois elas são uma importante fonte de empregos urbanos, um processo de reindustrialização deve priorizar o desenvolvimento de indústrias tecnologicamente sofisticadas. Nestas, o caráter necessariamente lento do desenvolvimento técnico e científico fornece uma barreira contra a competição, o que assegura margens de lucro elevadas e, portanto, uma
capacidade de reinvestimento e crescimento elevada. Caso contrário, vamos reindustrializar com indústrias tradicionais de baixa rentabilidade, que pagam salários baixos para competir com empresas paquistanesas.

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