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Ronaldo Fiani

COLUNISTA

Ronaldo Fiani

O Futuro Incerto das Commodities

A imprensa especializada destacou na semana passada a importância do agronegócio no produto interno bruto brasileiro (o PIB), que compõe a soma de todos os bens e serviços produzidos no país em um ano. Segundo informações do IBGE divulgadas na imprensa, o PIB brasileiro cresceu 2,9% no ano passado, sendo que o agronegócio cresceu quase 10 vezes mais do que a indústria brasileira em 2023: o agronegócio cresceu 15,1%, a indústria cresceu 1,6% e os serviços (que são o maior setor da economia) se expandiram em 2,4% ( https://veja.abril.com.br/economia/economia-brasileira-avanca-29-em-2023-com-recorde-do-agronegocio ).

Estes dados reafirmam a dependência da economia brasileira do agronegócio, um dos segmentos produtores de commodities, juntamente com o setor de mineração e de extração de petróleo e gás. Uma commodity é um produto ou matéria-prima antes de passar por processamento industrial, como, por exemplo, carne, soja, milho, minério de ferro, bauxita, petróleo etc. Assim, a produção de commodities não se restringe apenas ao setor agropecuário, mas ele é um segmento importante na oferta deste tipo de produto. No caso brasileiro, duas commodities (soja e milho) foram importantes para o expressivo desempenho do setor agropecuário no PIB.

Este crescimento da produção brasileira de commodities é um problema? Em princípio, a expansão de qualquer atividade econômica é positiva, pois gera mais renda e mais empregos. No caso do agronegócio, temos ainda sua importante participação no comércio exterior brasileiro, representando sozinho 49% das exportações do país em 2023 ( https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/exportacoes-do-agronegocio-fecham-2023-com-us-166-55-bilhoes-em-vendas ).

A questão, portanto, não é a expansão do agronegócio em si, mas o fato de que os demais setores da economia têm ficado para trás, o que faz com que a economia brasileira dependa cada vez mais do desempenho do agronegócio, tanto para a economia do país crescer, como para exportar e obter as divisas (dólares e euros) necessárias para bancar as nossas importações.

Há riscos sérios nessa dependência. Para entendermos não apenas estes riscos, mas também a razão desta dependência temos de considerar, em primeiro lugar, a evolução dos preços internacionais das commodities nas últimas décadas. Com efeito, entre 2001 e 2008 o índice de preços das commodities cresceu de forma contínua e crescente, resultado de valorização impulsionada pelo crescimento da China. Houve uma queda com a crise de 2008, mas os preços voltaram a subir até 2011, quando começaram a cair com oscilações, até um nível baixo por volta de 2015, quando consideramos os níveis do início dos anos 2000. A partir daí se recuperaram fortemente com a pandemia da Covid-19, voltando a cair, ainda que forma não tão aguda, a partir de 2022. Resumindo, parece haver uma tendência de queda dos preços das commodities, interrompida apenas pela pandemia, rumo a um patamar inferior ao verificado no início dos anos 2000. Tudo isto sugere que a era de ouro das commodities do início dos anos 2000, que incentivou a dependência da economia brasileira deste tipo de produto é passado, o que vai limitar as possibilidades de as commodities sustentarem sozinhas o crescimento e os ganhos de exportação do Brasil, como vem acontecendo.

Isto não quer dizer que altas repentinas de preços em algumas commodities não são mais possíveis. Há poucos dias o Financial Times noticiou que o preço do cacau atingiu um recorde de alta no mercado internacional, consequência de problemas climáticos (e da consequente especulação) em Gana e Costa do Marfim, que produzem 2/3 da oferta global ( https://www.ft.com/content/4ea3116d-6a55-4d14-8a47-8988209dc1e5?shareType=nongift ).

Todavia, mesmo isto não significa necessariamente um ganho duradouro para os produtores. Tudo vai depender da variação na quantidade demandada em relação à variação no preço.
Se a redução na quantidade comprada for maior do que o aumento no preço (por exemplo, se um aumento de 10% no preço provocar uma queda de 20% na quantidade demandada), a receita total obtida pelos produtores vai diminuir, pois a quantidade comprada caiu mais do que o preço aumentou. Neste caso, os economistas dizem que a demanda é muito elástica. Caso contrário, isto é, se a quantidade demandada diminuir menos do que o aumento do preço (por exemplo, se um aumento de 10% no preço provocar uma queda de 5% na quantidade demandada), a receita dos produtores aumenta, pois a quantidade comprada caiu menos do que o preço aumentou.

Neste caso, os economistas dizem que a demanda é pouco elástica.Portanto, os eventuais ganhos dos produtores em caso de problemas climáticos, conflitos políticos, guerras localizadas etc., que vêm provocando altas nos preços de algumas commodities vão depender da elasticidade da demanda pelos seus produtos. Em geral, em um prazo curto a demanda tende a ser pouco elástica, porque são poucas as possibilidades de substituição. Por conseguinte, os produtores tendem a realizar ganhos em curto prazo, falando em termos gerais.

Mas, com o passar do tempo, os compradores encontram alternativas para a commodity que encareceu. Por exemplo, os fabricantes de doces e achocolatados reduzem a quantidade de chocolate nos seus produtos, desenvolvem linhas de produtos que substituem o chocolate por outras matérias-primas etc. Com isto a elasticidade da demanda aumenta, e o preço do produto acaba caindo. Também contribui para a queda do preço o ingresso no mercado de produtores de maior custo, que antes não produziam porque seus custos eram elevados para o preço anterior, mais baixo, mas que passam a ter lucros com os novos preços mais elevados. Estas altas de preços em algumas commodities são verdadeiros tiros no pé, no médio prazo.

Os países que se mantiverem dependentes de commodities, como o Brasil, vão enfrentar problemas crescentes.

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