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Ronaldo Fiani

COLUNISTA

Ronaldo Fiani

Ideais Liberais São Uma Coisa, Teoria Econômica é Outra, e a Mistura Não Dá Certo


Ronaldo Fiani


Vêm crescendo na América Latina a defesa de políticas econômicas liberais, e até libertárias (mais radicais, como a extinção do Banco Central argentino, defendida pelo atual presidente daquele país), em que medidas que favoreçam a liberdade de iniciativa econômica (reduzindo a intervenção do governo sobre a produção, o comércio e as finanças) são defendidas como essenciais para o crescimento econômico e progresso dos países da região.

A forma como estas medidas têm sido propostas, contudo, se baseia em um erro grave, resultante da confusão entre ideais e teoria econômica. No artigo desta semana, vou tentar mostrar que ideais são uma coisa, teoria econômica é outra, e a mistura das duas não dá certo (embora reconheça que alguns economistas ajudam a confundir teorias econômicas com ideais).

Um ideal resulta de um valor que orienta as nossas ações, e principalmente a nossa atuação na sociedade. Por exemplo, o ideal do acesso universal à saúde resulta do valor que se atribui à vida humana. O ideal de proteção dos segmentos mais pobres e desamparados da sociedade resulta de se assumir a dignidade humana como valor, e assim por diante. A defesa do liberalismo como ideal tem como base a liberdade individual como valor, propondo consequentemente uma sociedade com intervenção mínima do governo e, em casos mais radicais, como o movimento libertário conservador que vem chamando a atenção no continente americano, defendendo o desmonte de várias instituições do Estado.

Como explicou o economista e sociólogo alemão Max Weber (1864-1920), os valores que orientam nossos ideias são, por sua natureza, absolutos. Isto significa simplesmente que valores não estão sujeitos a considerações circunstanciais: quando as pessoas agem de acordo com os seus valores, elas agem sem considerar as circunstâncias, como um capitão que afunda com o navio sem pensar nas circunstâncias em que o navio está afundando, ou nas consequências de sua decisão. Desta forma, um princípio somente é um valor para uma pessoa se ela não o relativiza, de acordo com a situação.

Mas Max Weber também mostrou que valores não são a única motivação que orienta o comportamento das pessoas: há também o cálculo racional, ou seja, o comportamento que é guiado pela consideração dos benefícios e dos custos de cada decisão possível. Quando os benefícios superam os custos de uma decisão, isto significa que, do ponto de vista do cálculo racional, esta decisão é, em princípio, acertada. Digo em princípio, porque pode haver outra decisão que resulte em uma diferença ainda maior dos benefícios em relação aos custos, e o comportamento baseado no cálculo racional busca adotar a decisão que resulte na maior diferença entre ganhos e custos.

É aqui que começa a confusão que estamos vivendo. O liberalismo e o libertarismo acreditam que a teoria econômica demonstrou que em todas as situações, políticas liberais (ou talvez libertárias) sempre resultam no maior ganho para todos. Em outras palavras: estas correntes transformaram resultados econômicos em valores absolutos, independentemente do exame da situação. Ocorre que o cálculo racional, por sua própria natureza, depende das circunstâncias. Simplesmente não é possível considerar benefícios e custos sem avaliar as circunstâncias que envolvem a tomada de decisão.

Mas os economistas não demonstraram que políticas liberais (ou libertárias) são sempre a melhor escolha? A resposta é: não. O que os economistas demonstraram é que, sob certas condições, determinadas políticas liberais são a melhor escolha. Mas estas condições, que são apresentadas nos manuais para os estudantes de economia são situações relativamente simples. O problema é que alguns economistas, por comodismo ou conveniência continuam analisando qualquer situação como se fosse aquela retratada nos manuais, desconsiderando a possibilidade de outras circunstâncias. Porém, se as condições forem outras, o saldo positivo das políticas liberais pode não se verificar mais, pois o ganho líquido de uma decisão econômica sempre vai depender da situação concreta.

Não faz sentido, portanto, estabelecer resultados que os economistas obtiveram supondo determinadas condições, que retratam circunstâncias específicas, como um valor absoluto a orientar um ideal, que deve ser buscado sempre e em qualquer situação, como um dogma.

Ciência econômica não é moral ou religião. Esta mistura não vai dar certo.

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