COLUNISTA
Eu sou eu e minha circunstância, se não a salvo, não salvo a mim. - Ortega y Gasset
A epígrafe que abre este artigo é uma frase famosa do filósofo espanhol Ortega y Gasset (1883-1955), extraída do seu livro Meditações do Quixote. Este artigo é muito pequeno para extrair todos os sentidos possíveis neste frase, de acordo com o pensamento de seu autor, mas para o assunto que vamos tratar basta indicar os dois significados mais diretos. Em primeiro lugar, que nossa identidade depende em parte das circunstâncias em que vivemos, ou seja, nossa identidade não existe suspensa em um vácuo, mas depende das circunstâncias ao nosso redor. Em segundo lugar, que não vamos conseguir progredir sem aprimorarmos a realidade que nos rodeia.
O que vale para indivíduos, vale também para os países, que são coletividades formadas por indivíduos. Só podemos salvar um país se compreendermos a circunstância em que ele está inserido. Não podemos nos salvar se o mundo ao redor estiver desmoronando e não compreendermos isto, e é exatamente isto o que está acontecendo agora.
Não se trata de exagero. O sistema econômico que foi criado ao final da Segunda Guerra, e que ficou conhecido como sistema de Bretton Woods, a partir dos acordos firmados em 1944 por mais de 40 países na cidade com o mesmo nome localizada em New Hampshire, teve como resultados estabilizar o câmbio entre as principais economias do globo e criar instituições que se tornaram fundamentais para a consolidação do comércio e das finanças globais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Mais tarde (em 1947) seria criado o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (que se tornaria conhecido como GATT, na sua sigla em inglês), precursor da Organização Mundial do Comércio (OMC) criada em 1994.
O sistema de Bretton Woods funcionou bem: ele ajudou na recuperação da Europa Ocidental e do Japão, devastados pela guerra. Na verdade, funcionou tão bem que empresas europeias e japonesas começaram a concorrer com empresas norte-americanas, o que, juntamente com os gastos da guerra do Vietnã impossibilitou manter o valor do dólar fixo em ouro, de forma que em 1971 o dólar começou a flutuar, rompendo um dos pilares do sistema de Bretton Woods. Apesar desta mudança ter provocado algum alarme entre os economistas na época, o restante do sistema permaneceu ativo.
Na verdade, o sistema se mostrou melhor do que se esperava, pois conseguiu absorver os antigos países socialistas após o colapso da extinta União Soviética no início dos anos 1990. Naquele momento, a Rússia e os países socialistas do Leste Europeu, África e Ásia aderiram ao sistema econômico internacional, criado no pós-guerra.
Contudo, a incorporação da China no início do século XXI acabou por comprometer o sistema criado em Bretton Woods. O crescimento acelerado chinês alterou a hierarquia global de poder, o que foi acentuado pela criação de organizações internacionais patrocinadas pela China, análogas às organizações de Bretton Woods, como o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) dos BRICS, que rivaliza com o FMI e o Banco Mundial, assim como o Acordo de Cooperação de Xangai.
Em consequência da expansão chinesa, países que antes mantinham a hegemonia global, em particular os Estados Unidos passaram a proteger sua indústria de tecnologia de ponta, sem temer medidas protecionistas agressivas, que seriam malvistas anteriormente, durante a plena vigência do sistema de Bretton Woods. De forma ainda mais grave, os Estados Unidos se recusam a indicar novos juízes para a OMC, o que paralisou na prática as deliberações do órgão que deveria regular o comércio internacional.
Desta forma, o sistema econômico internacional está ruindo aos poucos. Não há mais regulação do comércio internacional, apenas os fluxos financeiros permanecem livres e, mesmo assim, há dúvidas se os Estados Unidos ainda agirão para estabilizar a economia global no caso de uma nova crise financeira como a de 2008. Estas são as circunstâncias atuais.
Não conseguiremos nos salvar, se prosseguirmos ignorando as circunstâncias diante da ruína do sistema internacional.
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