COLUNISTA
Ronaldo Fiani
2025 termina com um certo anticlímax. Quem acompanhou a imprensa e as redes teve a sensação de que o mundo estava acabando em janeiro deste ano, quando Donald Trump anunciou as primeiras tarifas. Pelo menos foi isso que pareceu, quando a maioria dos economistas (alguns premiados) previram inflação nos Estados Unidos (pelo aumento do custo dos produtos importados) e ruptura do comércio internacional, com a queda abrupta do volume
de comércio. O que aconteceu de fato traz algumas lições importantes sobre o comportamento da economia, que muitos economistas parecem ignorar.
Em primeiro lugar, medida pelos preços ao consumidor, a inflação norte-americana deve ficar este ano um pouco acima, mas muito pouco, do que foi registrado em 2024. No caso do PIB (produto interno bruto, a soma dos bens e serviços produzidos na economia durante o ano), 2025 deve revelar crescimento em relação a 2024, depois de uma queda bastante forte no primeiro trimestre de 2025, quando as primeiras tarifas foram anunciadas e implementadas.
Assim, tanto no caso da inflação como no caso do PIB, não tivemos um apocalipse norte-americano. Mas o mais interessante é o caso do comércio internacional. No início do ano, os economistas previram uma forte contração do comércio global, por conta das tarifas. Considerando o volume do comércio de mercadorias, segundo a Organização Mundial do Comércio (OMC) o comércio vai continuar crescendo, embora com uma pequena desaceleração. Enquanto se estima que em 2024 o comércio global de mercadorias cresceu mais ou menos 2,8% em volume, a estimativa da OMC para este ano é de um crescimento de 2,4%.
Uma pequena desaceleração, mas nada catastrófico. O que houve então? Por que a catástrofe anunciada não chegou? Infelizmente, os economistas de formação mais ortodoxa têm uma visão muito simplista dos mercados e de seu
funcionamento. Na visão destes economistas, um mercado internacional não é muito diferente de uma feira livre. Se o governo decidisse hipoteticamente taxar as laranjas vendidas na feira, sua demanda diminuiria. Se a taxação fosse muito elevada, a demanda por laranjas na feira poderia até entrar em colapso. Mas o mercado internacional não funciona como uma feira livre.
Em primeiro lugar, boa parte (talvez a parte mais importante, pois é aquela que envolve produtos mais sofisticados) do comércio internacional é comandada por poucas grandes empresas internacionais. Estas empresas fazem uma gestão estratégica da sua atuação comercial, que pode atenuar muito o impacto de uma tarifa. Por exemplo, alterando alguma característica superficial do produto, de forma a mudar a sua classificação, colocando-o em uma
categoria que não foi atingida pela elevação das tarifas.
Também uma alternativa possível é usar uma subsidiária da mesma empresa para contornar tarifas. Isto funciona assim: a empresa no país A, atingido por tarifas, exporta seu produto para uma subsidiária sua no país B (que não foi atingido pelas tarifas), que adiciona algum elemento secundário (por exemplo, uma nova embalagem) e, então, exporta o produto do país B para os Estados Unidos, contornando as tarifas.
Além disso, contratos de médio prazo e até de longo prazo têm uma importância muito grande no comércio internacional. As empresas tendem a respeitar estes contratos, mesmo com impactos tarifários, porque a quebra de um desses contratos significa a quebra da confiança em relações comerciais que usualmente levam anos para serem consolidadas. Assim, mesmo em situações adversas como a do início deste ano, parte das transações segue no mesmo ritmo, ao menos até que o panorama se defina: há uma resistência das empresas a comprometer uma cooperação comercial duradoura por algo que pode ser momentâneo.
Tudo isso ajuda a entender por que as tarifas não tiveram impacto muito significativo: grandes empresas administram o comércio global. Isso significa que estamos a salvo? Na verdade, quem se preocupa com situações apocalípticas não deve olhar para transações comerciais que, como acabei de explicar, apresentam razoável estabilidade exceto em casos realmente extremos, como a pandemia da Covid-19. Quem se preocupa com crises
apocalípticas deve saber que crises profundas, que eclodem repentinamente e arrastam o mundo sempre começam no sistema financeiro norte-americano. Foi assim em 1929 com a Grande Depressão, e em 2008 com a Grande Recessão.
Mas isto é assunto para 2026. Agora entro em férias, devendo retornar na última semana de janeiro. Aproveito para desejar um Feliz Natal e um ótimo 2026 a todos os meus leitores.
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