COLUNISTA
No artigo da semana passada apresentei o conceito de causação circular cumulativa, elaborado pelo economista sueco Karl Gunnar Myrdal (1898-1987), um dos economistas mais importantes do século XX: professor da Universidade de Estocolmo, membro do parlamento sueco, ministro da indústria e comércio e secretário executivo da Comissão das Nações Unidas para a Europa em 1947, foi também ganhador do Prêmio do Banco da Suécia em Economia em 1974.
O conceito de causação circular cumulativa não é fácil de ser compreendido por economistas formados na teoria econômica mais convencional, que trata os fatores econômicos isoladamente e, portanto, não entendem como fatores econômicos e sociais interagem. Mas é um conceito fácil de ser entendido pelas pessoas que, mesmo não conhecendo a teoria econômica convencional vivem na economia concreta de um país menos desenvolvido como o nosso, especialmente aquelas que vivem nas periferias.
Afirmar que existe uma causação circular cumulativa significa afirmar que o funcionamento da economia envolve processos circulares, isto é, situações que se reforçam e se aprofundam, tanto para o bem como para o mal. Estes processos circulares surgem pela combinação justamente de fatores econômicos e sociais.
Por exemplo, vamos supor uma população pobre, vivendo na periferia de uma grande cidade, seja do Brasil ou de outro país menos desenvolvido. Por serem usualmente marginalizadas, vivem em situação de insegurança social, com pouco acesso a benefícios sociais como educação, saúde e moradias decentes, isto é, sem infraestruturas básicas como redes de água tratada e esgotos.
Em razão disto, sua produtividade é baixa (um fator econômico), pois seu nível educacional é baixo e sua saúde precária (fatores sociais). Como sua produtividade é baixa, estas pessoas conseguem apenas empregos de baixa remuneração, ou empregos ocasionais ou ainda desenvolvem atividades autônomas mal remuneradas, obtendo assim rendimentos reduzidos. Em função destes rendimentos reduzidos, estes indivíduos não conseguem ter acesso à saúde, educação ou melhorar suas condições de moradia e, desta forma, eles e seus filhos permanecem presos a uma situação de pobreza em um círculo vicioso ou, como chamou Gunnar Myrdal, em um processo de causação circular cumulativa de caráter negativo.
Existe uma causação circular positiva? Sim, se as condições forem favoráveis. Compare a situação que acabamos de descrever com a situação nas áreas mais nobres das grandes cidades de países menos desenvolvidos, como o Brasil. Nestas áreas as pessoas têm um padrão de vida elevado, acesso à educação e saúde de qualidade, e suas moradias dispõem de toda a infraestrutura necessária para a vida moderna. Por conseguinte, estes indivíduos têm produtividade elevada, obtém empregos estáveis com melhor remuneração e conseguem sustentar suas condições de vida, para si mesmos e seus filhos. Trata-se de um processo de causação circular cumulativa positivo, que consolida e reforça sua situação nos segmentos superiores da pirâmide social.
Resumindo, o processo de causação circular cumulativa reforça as desigualdades já existentes, combinando fatores econômicos e sociais. Vamos considerar agora a revolução digital que se anuncia, a chamada indústria 4.0, que vai combinar a tecnologia digital (especialmente a inteligência artificial) com o acesso à internet e com a robótica. Estudos têm demonstrado que, enquanto vários empregos de nível médio e superior que envolvem padronização das tarefas serão eliminados (como, por exemplo, advogados tributários e médicos especializados em diagnóstico por imagem), empregos que exigem capacidade de análise de informações e criatividade deverão ser mais demandados.
Ocorre que a capacidade para a análise de informações e o exercício de criatividade no trabalho dependem de um nível de educação elevado, com condições de vida favoráveis, isto é, acesso à saúde, à moradia e à educação que permitam ao indivíduos se concentrarem em tarefas intelectuais. Em função do processo de causação circular cumulativa de caráter negativo nas periferias e positivo nas áreas nobres das grandes cidades, a criação de empregos na era digital deve aprofundar o fosso entre os grupos sociais discriminados e os grupos em melhor situação, a menos que algo seja feito para reduzir este fosso.
Se nada for feito, o admirável mundo novo que se aproxima vai piorar o pesadelo em que já vivemos.
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