COLUNISTA
No artigo da semana passada procurei mostrar que as novas tecnologias digitais vão criar uma mão de obra de elite, ao exigir bem mais do trabalhador do que interpretar textos e dominar operações matemáticas um pouco mais elaboradas. Enfatizei que as novas tecnologias digitais vão demandar trabalho intelectual de natureza mais complexa, envolvendo o exercício da análise e do pensamento crítico, capacidade de resolver situações complexas e de aprender de forma contínua, além de, obviamente, também possuir os conhecimentos que permitam operar as novas tecnologias. Esta demanda por um trabalho intelectual mais complexo vai criar uma elite dentro da força de trabalho. O problema é o que vai acontecer com o restante da mão de obra.
Ao mesmo tempo em que estas novas demandas vão se expandir, a revolução digital vai tornar redundante aquele trabalho intelectual que se limita apenas à aplicação de padrões repetidos, tendo citado no último artigo o diagnóstico por imagens e a auditoria de registros contábeis. Como escrevi no artigo da semana passada, não apenas o conhecimento de uma série de ferramentas técnicas e científicas será importante, como o conhecimento de fórmulas e algoritmos matemáticos, mas a visão mais geral do contexto em que estas ferramentas são utilizadas, com a consideração de suas possibilidades alternativas de uso e o desenvolvimento criativo de soluções tornar-se-ão fundamentais. Para ilustrar isto, afirmei metaforicamente que o trabalhador da revolução digital terá algo de cientista, algo de artista, mas também algo de filósofo.
Para isto, este trabalhador cuja função está nascendo da revolução digital terá de possuir uma bagagem cultural ampla (além do conhecimento técnico e científico necessário às suas funções), pois só assim terá a capacidade de análise e reflexão necessária para compreender o contexto em que estas ferramentas serão utilizadas, juntamente com o estímulo à criatividade que esta bagagem proporciona. Isto será necessário não somente para criar as soluções digitais (por exemplo, na forma de um aplicativo) que atenda uma necessidade que tenha sido corretamente identificada no contexto adequado, mas também para manusear o volume de informação proporcionado pelos dados acumulados na nuvem.
Estas novas características demandadas do trabalho intelectual na revolução digital vão gerar uma elite da força de trabalho, que vai possuir nível educacional e cultural elevado, e vai se situar no topo da pirâmide do emprego. Mas e quanto ao resto? O que vai acontecer com o restante da estrutura de emprego?
Embora nem sempre as tendências do emprego para os demais tipos de ocupação na revolução digital já estejam claras, alguns aspectos podem ser antecipados com uma razoável dose de segurança. Inicialmente, como já foi observado anteriormente, ocupações que envolvem rotinas padronizadas, mesmo no caso de trabalho intelectual, como no caso de um analista de investimentos, serão eliminadas pelo desenvolvimento de tecnologias digitais. Mesmo no caso em que as rotinas padronizadas são complexas e variam de acordo com a situação, como no caso da direção de um automóvel, a substituição por tecnologias digitais já está se anunciando, como ilustram os protótipos dos carros autônomos (dirigidos por robôs).
Também ocupações relacionadas ao controle e supervisão de processos produtivos deverão sofrer grande diminuição em seu número (além das ocupações ligadas diretamente à operação, que serão reduzidas pela expansão da robótica), como consequência do desenvolvimento da chamada internet das coisas, que é a integração da operação de equipamentos pela internet: uma vez com os equipamentos produtivos conectados e controlados pela rede, todo o trabalho de supervisão e controle poderá ser feito remotamente pela empresa que está demandando o produto, reduzindo a necessidade de mão de obra no controle e supervisão dentro da empresa fornecedora.
Por último, a expansão da automação e do controle e supervisão do processo produtivo por tecnologias digitais vai aumentar o número de tarefas que podem ser delegadas a trabalhadores autônomos, ao invés de executá-las com trabalhadores que possuem vínculo empregatício. Como ensinou o economista norte-americano Oliver Williamson (1932-2020), ganhador do Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel de 2009, quando a possibilidade de disputas e controvérsias entre as partes envolvidas em um mesmo processo produtivo é elevada, a tendência é a de que a própria empresa realize estas etapas, para evitar conflitos, por exemplo, contratando trabalhadores para poder monitorar seu trabalho com maior precisão.
Com o aumento do controle remoto sobre o processo de produção pelas tecnologias digitais, e a consequente redução das possibilidades de conflito, as empresas vão elevar o número de funções que são exercidas por trabalhadores sem vínculo empregatício, o que vai agravar a precariedade do trabalho em muitas situações.
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