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Ronaldo Fiani

COLUNISTA

Ronaldo Fiani

O Que Está Faltando Dizer no Debate Sobre os Juros

Ronaldo Fiani

O leitor deve estar acompanhando o debate sobre a determinação da taxa SELIC de juros pelo Banco Central. Apesar deste debate ser muitas vezes acalorado, até mesmo a discussão entre os economistas tem deixado à margem uma questão muito importante: o efeito de juros elevados por longos períodos sobre o funcionamento do próprio sistema financeiro. Este será o nosso tema de hoje.

Antes, contudo, vale a pena explicar para o leitor o que é a taxa SELIC, que estabelece o piso da taxa de juros em nosso país. A meta da taxa SELIC é fixada pelo Comitê de Política Monetária (COPOM) do Banco Central. Esta taxa afeta as chamadas operações compromissadas, isto é, operações de empréstimos entre os bancos, que são garantidas por títulos públicos do governo federal.

Estas operações compromissadas funcionam assim: se um banco precisa de dinheiro para suas operações correntes (empréstimos, saques etc.), ele toma emprestado com um outro banco, oferecendo títulos da dívida pública como garantia. Esta garantia opera da seguinte maneira: o banco que precisa de dinheiro vende títulos públicos para o banco que possui dinheiro sobrando em caixa, assumindo o compromisso de recomprar os mesmos títulos no dia seguinte, com juros. SELIC significa então Sistema Especial de Liquidação e Custódia, que registra os dados das operações de compras e vendas de títulos públicos, e as taxas de juros que são praticadas.

O Banco Central não fixa diretamente esta taxa, mas estabelece uma meta para a média da taxa em que estas operações de compra e venda de títulos públicos são realizadas. Se a média fica acima da meta estabelecida pelo COPOM do Banco Central, ele injeta dinheiro no mercado, comprando títulos públicos e fazendo com que a média da taxa de juros nas operações compromissadas baixe, até que volte à meta.
Caso contrário, se a média nas operações compromissadas fica abaixo da meta do COPOM, o Banco Central vende títulos públicos e com isso retira dinheiro do mercado, fazendo com que a média da taxa SELIC aumente, até que volte à meta estabelecida pelo COPOM.

Uma vez que estes empréstimos de um dia são muito seguros, eles estabelecem um piso para as demais taxas de juros na economia: quanto maior o risco de uma operação de crédito, maior a diferença da taxa de juros desta operação para a taxa SELIC. Desta forma, quando o Banco Central quer desestimular a atividade econômica, porque avalia que a inflação está elevada, ou acredita que há um risco significativo de aceleração inflacionária em breve, o COPOM eleva a meta da taxa SELIC. Caso contrário, isto é, se a atividade econômica está desacelerando, ou se o Banco Central espera uma desaceleração da economia, o COPOM reduz a taxa SELIC.

Como o leitor deve estar percebendo, a decisão sobre mudar ou não a taxa SELIC depende não apenas de como a economia está no momento, mas também das expectativas com relação ao seu desempenho futuro. Como as expectativas sobre o desempenho futuro da economia podem variar mesmo entre os economistas, não é surpresa o debate atualmente em curso sobre a decisão do COPOM de manter a taxa SELIC em 10,50% ao ano, interrompendo o ciclo de reduções que vinha ocorrendo.

Contudo, o debate sobre a necessidade de se reduzir a taxa SELIC vem ignorando os efeitos da manutenção de uma taxa de juros elevada por longos períodos, como acontece com frequência no Brasil. Com efeito, manter juros elevados por períodos longos fragiliza o sistema financeiro, ao invés de fortalecê-lo.

Esta afirmação pode parecer um tanto paradoxal. Afinal, com juros elevados os ganhos do sistema financeiro não aumentam? Os juros elevados não atraem aplicadores internacionais, em busca dos juros elevados pagos no Brasil?

O problema se deve ao que os economistas chamam de seleção adversa. Seleção adversa é uma situação em que o aumento do preço piora a situação do vendedor, ao invés de melhorá-la, por falta de informação. Por exemplo: se uma seguradora aumenta o preço do seguro ela atrai justamente os clientes de maior risco, pois somente eles estão dispostos a pagar um seguro caro, justamente porque sabem que seu risco é mais elevado e, assim, provavelmente vão utilizar o seguro. Com isto a lucratividade da seguradora diminui.

Ocorre que os empréstimos financeiros são fortemente afetados por seleção adversa. Quando os juros se tornam elevados, a tendência é de que somente os clientes que estão realmente com problemas financeiros graves se disponham a pagar estes juros, justamente porque não têm alternativa. Assim, a carteira de empréstimos tende a piorar. Quando os juros permanecem elevados por muito tempo, este efeito se agrava, e acaba aumentando a inadimplência dos tomadores de empréstimos e fragilizando o sistema financeiro, por maior que seja o afluxo de dinheiro de aplicadores internacionais.
Precisamos parar de olhar apenas para o curto prazo.

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