Edição anterior (3529):
sábado, 06 de julho de 2024


Capa 3529
Ronaldo Fiani

COLUNISTA

Ronaldo Fiani

Ainda Acerca do Que Está Faltando Dizer no Debate Sobre os Juros


Ronaldo Fiani

Na semana passada, abordei o debate sobre a determinação da taxa SELIC de juros pelo Banco Central. A taxa SELIC estabelece o piso para as taxas de juros no Brasil, por envolver o menor risco de aplicação (ao leitor que queira maiores esclarecimentos, sugiro consultar meu artigo da semana passada). Chamei a atenção para o fato de que até mesmo o debate entre os economistas sobre a taxa de juros tem deixado à margem o efeito de juros elevados por longos períodos sobre o funcionamento do sistema financeiro. Como expliquei então, juros elevados por longos períodos acabam por fragilizar o próprio sistema financeiro.

Na verdade, os economistas têm se concentrado em apenas dois aspectos da manutenção de taxas de juros elevadas por longos períodos: seu efeito sobre a inflação e seu impacto fiscal. Os dois efeitos são, sem dúvida alguma, importantes. Ao elevar a taxa de juros, o Banco Central desestimula os gastos privados, o que em princípio deve reduzir a inflação, se ela for causada pelo excesso de demanda na economia.

O impacto fiscal também é importante: uma elevação da taxa de juros tem impacto sobre os gastos do governo com o pagamento de juros sobre a dívida pública, e este efeito tem sido enorme e tem respondido por parte expressiva do desequilíbrio fiscal nas contas do governo. Mas vamos considerar neste artigo apenas a alta de juros tendo como objetivo controlar a inflação.

Os gastos privados envolvem, em primeiro lugar, os investimentos: afinal, por que investir e correr riscos, se há aplicações financeiras de baixo risco, que oferecem rendimentos elevados? Em segundo lugar, temos o consumo privado que depende de crédito, principalmente os bens de consumo duráveis, tais como eletrônicos, eletrodomésticos e automóveis: com taxas mais elevadas, as parcelas do crediário pesam mais no orçamento do consumidor, que reduz suas compras. Esta redução nos gastos privados diminui a pressão da demanda, reduzindo tanto a compra de bens de capital para investimentos, como máquinas e equipamentos, quanto a compra de bens de consumo duráveis, o que contém a elevação de preços, caso a inflação seja causada pelo excesso de demanda em relação à capacidade produtiva das empresas na economia.

Parece fazer sentido, correto? Na verdade, não faz sentido no nosso caso.  Altas de juros visando a reduzir a inflação causada por pressões de demanda não se justificam por longos períodos, e em geral não precisam ser muito elevadas: basta uma elevação gradual por um tempo relativamente curto para cortar o excesso de demanda em relação ao que as empresas podem produzir, a menos que o Banco Central tenha demorado muito para agir e a demanda privada esteja superaquecida, o que definitivamente não é o nosso caso.

O que está havendo, então? A resposta é o câmbio. Taxas de juros afetam o câmbio de forma simples: taxas elevadas estimulam o ingresso de dólares e euros para aplicação no país, enquanto taxas de juros baixas estimulam a saída destas moedas, em busca de aplicações mais vantajosas em outros países. O leitor deve prestar atenção no fato de que estas aplicações são aplicações financeiras, não são aplicações produtivas em novas fábricas, ou expansão e modernização das que já existem, porque, conforme vimos, juros elevados desestimulam investimentos produtivos.

Quando a taxa de juros está elevada, dólares e euros entram no país, baixando o valor destas moedas em reais (elevando, com isto, o valor do real nestas moedas), porque elas se tornaram mais abundantes no mercado. Quando a taxa de juros está baixa, dólares e euros saem do país, elevado o valor destas moeda em reais (e baixando o valor do real nestas moedas), porque elas se tornaram mais escassas no mercado. Mas porque o Banco Central deseja manter o dólar com valor baixo, mantendo a taxa de juros elevada?

A resposta é que o câmbio também afeta a inflação, pois ele afeta o custo de vários itens importados. Neste caso, não temos uma inflação de demanda, mas sim de custos: o câmbio com o dólar elevado aumenta os custos dos produtos importados, o que gera inflação aqui dentro. O Banco Central está agindo corretamente, então?

A resposta é não, porque o Banco Central está olhando apenas o curto prazo. Há uma outra forma de garantir o afluxo de dólares, sem ter que recorrer a uma taxa de juros elevada, e trata-se de uma forma muito mais sustentável: com exportações, ou seja, vendas ao exterior que tragam moeda estrangeira para o país. Mas a manutenção de juros elevados tem o efeito inverso, prejudicando uma parcela importante de nossas exportações: as exportações de produtos manufaturados.

Em primeiro lugar, ao tornar o dólar barato, os juros elevados por longos períodos faz com que o real se torne mais caro lá fora por muito tempo, o que desestimula nossas exportações, ao torná-las caras em dólares e euros por longos períodos. Em segundo lugar, desestimula investimentos produtivos, essenciais para expandir a capacidade de exportar e modernizar as fábricas, do forma a tornar as nossas exportações de produtos manufaturados competitivas internacionalmente. Por isso estamos dependendo cada vez mais das exportações de produtos primários, como minério de ferro, soja etc., em que somos tão produtivos em razão dos recursos naturais que possuímos, que o real mais caro em dólares não afeta nossa competitividade internacional. Mas as exportações industriais sofrem, porque sua competitividade internacional se reduz cada vez mais.
Precisamos parar de olhar apenas para o curto prazo, ou vamos pagar um preço altíssimo no futuro.

Edição anterior (3529):
sábado, 06 de julho de 2024


Capa 3529

Veja também:




• Home
• Expediente
• Contato
 (24) 99993-1390
redacao@diariodepetropolis.com.br
Rua Joaquim Moreira, 106
Centro - Petrópolis
Cep: 25600-000

 Telefones:
(24) 98864-0574 - Administração
(24) 98865-1296 - Comercial
(24) 98864-0573 - Financeiro
(24) 99993-1390 - Redação
(24) 2235-7165 - Geral