Edição anterior (3536):
sábado, 13 de julho de 2024


Capa 3536
Ronaldo Fiani

COLUNISTA

Ronaldo Fiani

Revolução Digital e Concentração de Renda: O Papel dos Salários

Ronaldo Fiani

Em artigo de 17 de junho publicado no Diário de Petrópolis, intitulado A Elitização do Emprego na Era da Revolução Digital procurei destacar que a aplicação das novas tecnologias digitais produz demanda por mão de obra de elevada qualificação, ao mesmo tempo em que precariza ainda mais tarefas menos qualificadas.

Esta precarização já deve ser evidente a esta altura, sendo ilustrada de modo exemplar por motoristas e entregadores que trabalham prestando serviços por intermédio de aplicativos. O que não parece estar claro, contudo, é o tipo particular de elevada qualificação que a revolução digital que se inicia começa a demandar, e qual será o seu impacto sobre a concentração de renda entre os salários.

Naquele artigo busquei demonstrar que essa elevada qualificação vai muito além do conhecimento técnico necessário para lidar com as novas tecnologias. Falando de uma forma muito geral, com a revolução digital a matéria-prima essencial do trabalho serão informações, seja identificando novos mercados a partir de dados na nuvem, avaliando um processo produtivo à distância com o emprego de internet das coisas, examinado as características de uma situação tendo em vista o emprego de robôs, desenvolvendo estratégias de emprego de inteligência artificial etc.

Em todos estes casos, o que se verifica é a necessidade de uma mão de obra bastante diferente do que estamos acostumados, dotada não apenas de capacidade de análise e interpretação de contexto, mas também de criatividade para lidar com novos dados e possibilidades imprevistas, além de senso crítico para rever procedimentos e identificar hábitos que deixarão de ser úteis na nova situação.

Tudo isto somente é possível com a partir de uma formação cultural que amplie as perspectivas de quem utiliza as novas tecnologias digitais, algo que não dispensa, mas vai muito além de uma formação especializada nas novas tecnologias, ou mesmo de uma formação em ciências matemáticas e físicas. Sem uma formação cultural ampla, a avaliação dos contextos em que as informações são utilizadas vai se mostrar deficiente ou, até mesmo em alguns casos, equivocada, prejudicando o aproveitamento das novas tecnologias digitais.

Desta necessidade de uma classe de trabalhadores com formação cultural mais ampla vai resultar a elitização de uma parcela minoritária da força de trabalho, enquanto o restante vê seu trabalho ser precarizado pela introdução de tecnologias digitais, que tendem a tornar o trabalho que não lida com informações em alguma medida subordinado ao comando de programas e máquinas, conforme destaquei no artigo do dia 17 de junho.
Esta elitização vai produzir uma tendência de concentração de renda no interior da massa salarial, a partir de dois movimentos distintos. Um dos movimentos será a redução nos rendimentos por hora trabalhada daqueles cujo vínculo trabalhista for substituído por uma relação precária com o empregador, especialmente no forma de prestadores de serviços. A redução nos rendimentos por hora trabalhada vai acontecer pela competição crescente entre estes trabalhadores e os trabalhadores pouco qualificados, que vão competir pela prestação de serviços mais simples para as novas empresas do setor digital.

O movimento contrário vai acontecer com os trabalhadores que assumirem tarefas mais qualificadas no âmbito das novas tecnologias digitais, que pela sua formação de elite farão jus a remunerações por hora trabalhada cada vez mais elevadas. Para entender a razão disto, basta considerar a formação deste tipo de trabalhador: não se trata apenas de manusear técnicas de programação digital; junto com esta capacidade é preciso possuir uma bagagem cultural que possibilite pensar analítica e criticamente, de forma a elaborar estratégias para as novas tecnologias em cada contexto particular.

Este tipo de formação é muito caro, porque envolve adquirir uma bagagem cultural ampla, o que vai restringir o número de pessoas com acesso a esta qualificação e elevar seu salário, dada a demanda por este tipo de profissional que as tecnologias digitais vão gerar, daí seu caráter elitizante. Em países como o Brasil, onde há bolsões de pobreza e periferias fortemente discriminadas no acesso aos serviços públicos, especialmente educação básica de qualidade, esta elite provavelmente será ainda mais reduzida, agravando ainda mais a concentração da renda salarial em alguns poucos trabalhadores privilegiados.

Todavia, a concentração de renda tende a ser ainda mais elevada em outras formas de renda que não os salários, e a revolução digital deve ter um impacto ainda maior nestas outras rendas. Este será o assunto de nosso próximo artigo.

Edição anterior (3536):
sábado, 13 de julho de 2024


Capa 3536

Veja também:




• Home
• Expediente
• Contato
 (24) 99993-1390
redacao@diariodepetropolis.com.br
Rua Joaquim Moreira, 106
Centro - Petrópolis
Cep: 25600-000

 Telefones:
(24) 98864-0574 - Administração
(24) 98865-1296 - Comercial
(24) 98864-0573 - Financeiro
(24) 99993-1390 - Redação
(24) 2235-7165 - Geral