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Ronaldo Fiani

COLUNISTA

Ronaldo Fiani

Por Que Concentrar a Renda É Ruim? A Revolução Digital e a Causação Circular Cumulativa


Ronaldo Fiani


Nos meus dois últimos artigos afirmei que a revolução digital vai concentrar salários e lucros. Isto significa que, em países com renda muito concentrada, como é o caso do Brasil, ela vai contribuir para aumentar ainda mais a concentração da renda, elevando a disparidade das rendas obtidas pelas famílias mais pobres, em comparação com as famílias mais ricas.

Importante destacar que não apenas a revolução digital colabora para o aumento da concentração de renda: os juros elevados também atuam neste sentido, pois somente as famílias com rendas mais elevadas têm a possibilidade de realizar aplicações financeiras e se beneficiarem dos juros mais altos. Mas a revolução digital vai contribuir para agravar o quadro.

Contudo, o leitor deve estar se perguntando: por que renda concentrada é ruim, ou, em outros termos, por que a desigualdade de renda é nociva? Há várias razões para que uma desigualdade de renda elevada tenha efeitos negativos sobre a sociedade. Uma delas é que diferenças de renda muito acentuadas entre famílias pobres e ricas comprometem a solidariedade entre os membros de uma sociedade, aumentando as divisões e os ressentimentos, o que frequentemente gera instabilidade política.

Contudo, no artigo desta semana vou me concentrar em um efeito econômico da concentração de renda, tal como se encontra descrito no documento do Fundo Monetário Internacional (FMI) intitulado Causas e Consequências da Desigualdade de Renda: Uma Perspectiva Global (originalmente: Causes and Consequences of Income Inequality: A Global Perspective), disponível em https://www.imf.org/en/Publications/Staff-Discussion-Notes/Issues/2016/12/31/Causes-and-Consequences-of-Income-Inequality-A-Global-Perspective-42986 .

Inicialmente, é preciso considerar que um grau moderado de desigualdade pode ter um efeito positivo sobre a economia, estimulando o esforço dos indivíduos para alcançar os níveis mais elevados de renda seja estudando, investindo produtivamente ou ambos. Com efeito, um nível razoável de desigualdade tende a estimular a ascensão social por meio de uma formação profissional mais qualificada, ou de investimentos em atividades produtivas que gerem ganhos mais expressivos.

O problema é que, em primeiro lugar, isto vale para níveis baixos ou moderados de desigualdade. Níveis elevados de desigualdade acabam tendo o efeito contrário, ou seja, reduzem o esforço dos indivíduos em educação e em investimento produtivo. Com efeito, como explica o documento do FMI, se a desigualdade for grande, ela limita o acesso das famílias menos afortunadas à educação e saúde de qualidade, reduzindo seu desempenho produtivo.

Isto resulta em um círculo vicioso: as famílias mais pobres não têm acesso à saúde e à educação, com isto sua produtividade é baixa e sua renda reduzida. Como sua renda é reduzida, estas famílias não conseguem pagar por serviços de saúde e educação adequados, permanecendo com baixa produtividade e baixa renda, em um círculo vicioso que o economista Karl Gunnar Myrdal (1898-1987), agraciado com o Prêmio do Banco da Suécia em Economia em 1974 chamou de causação circular cumulativa.

O problema da causação circular cumulativa é que ela impede que as famílias aprisionadas neste círculo vicioso sejam beneficiadas durante as etapas de crescimento econômico. Elas permanecem ilhadas em sua pobreza, enquanto outros segmentos da sociedade são beneficiados pelo desenvolvimento econômico e crescimento da renda.

A consequência é que a desigualdade se reforça e se aprofunda ao longo do tempo. Esta causação circular cumulativa será reforçada pelas elevadas demandas resultantes da revolução digital sobre a força de trabalho, e pela concentração de lucros que a mesma revolução vai provocar, conforme destaquei nos meus dois últimos artigos.

Temos um enorme desafio à frente.

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