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Ronaldo Fiani

COLUNISTA

Ronaldo Fiani

A Concentração de Renda Afeta Negativamente o Funcionamento da Economia


Ronaldo Fiani

Nos dois últimos artigos afirmei que a revolução digital vai contribuir para concentrar salários e lucros, e que em países com renda muito concentrada como o Brasil isto é muito ruim. De uma forma geral, aumentar a disparidade entre as rendas obtidas pelas famílias mais pobres e as rendas das famílias mais ricas traz consequências negativas para o funcionamento da economia.

No artigo da semana passada discuti o círculo vicioso que será criado pelo aumento da concentração de renda, resultado da nova revolução digital, e que vai marginalizar ainda mais grupos sociais que já se encontram atualmente em situação desfavorável. No artigo desta semana, vou me concentrar mais nos resultados da concentração de renda sobre o funcionamento da economia em si.

Ao leitor interessado em uma análise mais profunda dos problemas econômicos provocados por uma desigualdade acentuada de renda, sugiro a leitura do documento do Fundo Monetário Internacional (FMI) intitulado Causas e Consequências da Desigualdade de Renda: Uma Perspectiva Global (originalmente: Causes and Consequences of Income Inequality: A Global Perspective), disponível em https://www.imf.org/en/Publications/Staff-Discussion-Notes/Issues/2016/12/31/Causes-and-Consequences-of-Income-Inequality-A-Global-Perspective-42986 .

Em primeiro lugar, uma concentração de renda muito elevada afeta de forma adversa o crescimento econômico. O documento do FMI que acabei de mencionar reúne evidências de que aumento na concentração de renda reduz o crescimento econômico. Com efeito, a partir de uma amostra de 159 países, incluindo países desenvolvidos e em desenvolvimento verifica-se estatisticamente que, em média, quando a parcela da renda que cabe aos 20% mais ricos da população aumenta 1%, o crescimento do produto interno bruto (ou PIB, soma de todos os bens e serviços produzidos em um país durante um ano) acaba sendo 0,08% menor nos 5 anos seguintes. Por outro lado, quando a parcela da renda que cabe 20% mais pobres aumenta os mesmos 1%, o PIB acaba sendo em média 0,38% mais elevado.

Por que isto acontece? O aumento da desigualdade faz com que as famílias de baixa renda tenham maior dificuldade para acessar serviços de saúde e educação, o que reduz sua produtividade e, com isto, também o crescimento do PIB. Além disso, a concentração de renda reduz a mobilidade social. Ou seja, as chances de os filhos das famílias pobres ascenderem socialmente diminui com o aumento da desigualdade, pois os rendimentos futuros dos filhos tendem a ser determinados pelo nível de renda atual de seus pais. Isto resulta em estagnação nos rendimentos dos jovens das famílias mais pobres, o que agrava os problemas de marginalização que já foram mencionados.

Um outro problema é que o aumento da concentração de renda reduz a demanda por bens e serviços da economia, pois as pessoas mais ricas tendem a gastar uma fração menor de sua renda no consumo de bens e serviços do que as pessoas mais pobres (boa parte da renda das famílias mais ricas se destina a acumular patrimônio, especialmente patrimônio financeiro). Com isto, a demanda total da economia é menor quando a renda é mais concentrada, do que quando ela é mais distribuída. Como a demanda total por bens e serviços é um determinante importante da produção total, pois os empresários contratam e produzem mais somente quando têm a expectativa de que vão vender mais, uma renda mais concentrada reduz o crescimento da demanda e, com isso, afeta negativamente a produção, o emprego e o crescimento.

Para concluir, níveis mais concentrados de renda tendem a agravar crises financeiras. Segundo o documento do FMI, estudos demonstram que longos período de renda concentrada aumentam o nível de endividamento, porque as famílias ricas têm mais acesso a crédito do que as famílias pobres. Com o aumento do endividamento, as famílias com maior nível de renda ficam vulneráveis a crises. Esta vulnerabilidade acaba afetando adversamente o próprio sistema financeiro, que não consegue recuperar os seus empréstimos a estas famílias.

Além disso, a alta concentração de renda estimula a expansão excessiva pelo relaxamento nos critérios de concessão de crédito. A expansão excessiva do crédito pelo relaxamento nos critérios de concessão é provocada pela concentração de renda na medida em que, com uma parcela maior da renda nas mãos das famílias ricas, há uma expansão concomitante da demanda por aplicações financeiras e, consequentemente, uma maior disponibilidade dos bancos para emprestar. Com mais dinheiro em caixa, há uma pressão maior para emprestar e lucrar.

Estes dois fatores, o aumento no endividamento das famílias e a expansão excessiva do crédito se convertem em elementos de fragilidade do sistema financeiro quando ocorrem crises econômicas, sendo ambos provocados pelo aumento da desigualdade de renda.

Renda concentrada não é bom para a economia.

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