COLUNISTA
Ronaldo Fiani
Apesar das intensas transformações dos últimos 40 anos, ainda falta uma compreensão adequada acerca de como elas afetaram a competição entre as empresas. A verdade é que as transformações no cenário internacional, incluindo não apenas as mudanças econômicas, mas também as mudanças políticas alteraram radicalmente a forma de competição entre as empresas, tal como se conhecia desde o final da Segunda Guerra. As firmas que hoje são líderes compreenderam essas mudanças. No artigo de hoje, traço um rápido panorama destas transformações, e de como elas afetaram a economia.
Até os anos 1990, a competição global acontecia de forma limitada. Desde o final da Segunda Guerra os países adotavam medidas protecionistas, frequentemente com o objetivo declarado de proteger suas indústrias da concorrência estrangeira. O argumento era o de que as indústrias dos países menos desenvolvidos ainda eram indústrias nascentes, e por isso atuavam em pequena escala, o que mantinha os seus custos acima dos custos das empresas dos países desenvolvidos. Neste contexto, liberalizar o comércio, reduzindo ou eliminado impostos de importação significaria expor as indústrias dos países menos desenvolvidos a uma concorrência desigual, que suas empresas não teriam condições de enfrentar.
Em termos econômicos, por serem ainda nascentes e, portanto, menores, as indústrias dos países menos desenvolvidos enfrentavam problemas de escala. Quando as empresas desfrutam de economias de escala, o custo por unidade do produto é menor, quanto maior for a produção. Imagine o seguinte exemplo: uma empresa de produtos eletrônicos tem de investir em um laboratório que custa 10 milhões de dólares, para garantir a qualidade de seus produtos. Se esta empresa produzir 100 mil unidades por mês de seu produto, cada unidade vai ter de custar no mínimo 100 dólares para cobrir os custos de implantação do laboratório. Já se a produção for de 200 mil unidades, o produto terá de custar pelo menos 50 dólares, a metade do valor anterior.
Portanto, aumentando a escala, o produto pode ser vendido por menos e assim, em presença de economias de escala, as grandes empresas dos países desenvolvidos obtêm uma vantagem significativa, que a indústria nascente dos países menos desenvolvidos não consegue alcançar, daí resultando sua necessidade de proteção, na forma de impostos de importação. Este é famoso argumento a favor da proteção da indústria nascente.
Com o colapso dos países socialistas e o fim da Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética, a promoção do desenvolvimento nos países atrasados como forma de deter o avanço do comunismo perdeu sua sustentação ideológica. Ao mesmo tempo, o fim do socialismo em vários países abriu os mercados locais para o capital e o comércio. Com isto, teorias econômicas que afirmavam que a liberdade comercial promoveria o desenvolvimento ganharam popularidade.
Somente em países como a Coreia, onde a indústria local não se acomodou à proteção e se lançou às exportações, as empresas nacionais conseguiram sobreviver e prosperar, exatamente porque conseguiram alcançar a escala necessária para competir com as grandes empresas dos países desenvolvidos.
Este processo de busca de escala, contudo, ganhou uma sofisticação a mais, a partir da liberalização dos mercados nos anos 1990: em vez de as empresas realizarem elas mesmas todas as etapas necessárias para a obtenção de seu produto, muitas vezes indo desde a elaboração da matéria-prima até o produto final, as empresas passaram a terceirizar as etapas onde um fornecedor estrangeiro poderia oferecer o insumo por um custo menor, justamente pelo fornecedor operar em uma escala maior do que teria a própria empresa, produzindo somente para si mesma.
Isto porque um fornecedor independente agrega as demandas de vários clientes, enquanto uma empresa que fabrique apenas para si mesma tem apenas a sua demanda para atender, operando em uma escala menor. Esta terceirização aumentou ainda mais a competitividade das empresas dos países desenvolvidos em relação às empresas dos países atrasados, e expandiu o fenômeno que ficou conhecido como cadeias globais de valor.
Quais as lições que ficam disto? Em primeiro lugar, fica a lição de que hoje a competição é global. Se o produto é comercializável, ou seja, se ele pode fazer parte do comércio internacional, como é o caso de grande parte dos produtos industrializados, a estratégia de competição tem de ser planejada em termos globais, e não apenas visando ao mercado nacional, como era feito logo após o final da Segunda Guerra.
Em segundo lugar, fatores políticos têm muita importância na economia global. O colapso do socialismo no início dos anos 1990 foi essencial para explicar a mudança no padrão de competição internacional. Agora que enfrentamos um novo momento de tensão internacional, é essencial para as empresas dos países menos desenvolvidos adotar estratégias globais que envolvam escala e terceirização, mas tendo atenção para a as questões políticas.
Nas próximas décadas, a economia política internacional vai comandar o cenário econômico global.
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