Edição anterior (3582):
domingo, 25 de agosto de 2024


Capa 3582
Ronaldo Fiani

COLUNISTA

Ronaldo Fiani

A Inteligência Artificial Vai Mesmo Provocar uma Crise?

Ronaldo Fiani


Hoje vou abordar um aspecto das inovações tecnológicas que pode ser problemático, mas ao qual poucos dão atenção: o efeito das inovações sobre os ciclos econômicos. A importância desta discussão se relaciona ao fato de que há mais de um ano o Bank of America chamou a atenção para a existência de uma bolha bebê relacionada à inteligência artificial, em particular pelo entusiasmo com os chatbots, os programas que simulam dialogar com o usuário ( https://markets.businessinsider.com/news/stocks/ai-stocks-chatgpt-artificial-intelligence-baby-bubble-dot-com-bust-2023-5#:~:text=AI%20is%20in%20a%20%22baby%20bubble%22%20for%20now%2C,in%20the%20Fed%20restarting%20policy%20tightening%20in%201999 ). Estes programas devem acelerar e ampliar a busca por informações, o levantamento de dados e facilitar a interação entre empresas e clientes, e entre as próprias empresas. Desde então, o debate acerca da existência ou não de uma bolha especulativa em inteligência digital prossegue.

Os economistas dizem haver uma bolha especulativa quando ativos (imóveis, ações de empresas, títulos financeiros etc.) estão muito mais valorizados do que deveriam, em geral como consequência de uma demanda exagerada por estes ativos, demanda que, por sua vez, é resultado de uma expectativa exagerada de que os valores destes ativos vão se valorizar muito no futuro. Desta forma, se as pessoas esperam que um determinado ativo produza ganhos ainda maiores, elas demandam este ativo como forma de investimento, o que eleva o seu valor.

O que, então, dá errado? Para respondermos a esta pergunta, temos de considerar a análise que o economista Joseph A. Schumpeter (1883-1950) desenvolveu do papel das inovações na economia, e do seu efeito nos ciclos econômicos, isto é, na sucessão de prosperidade e recessão. Segundo Schumpeter, as inovações não acontecem uniformemente nos vários setores da economia, mas se concentram em alguns setores, como vem acontecendo atualmente nos segmentos que empregam tecnologias digitais. Estas tecnologias geram lucros mais elevados, que se concentram em alguns setores e resultam em crescimento.

Este crescimento provoca também a expansão de outros setores associados, ou seja, de fornecedores dos setores onde as inovações estão acontecendo, em um efeito em cadeia. Esta expansão faz com que os setores inovadores e seus fornecedores disputem matérias-primas e mão de obra com outros setores, causando uma elevação geral de preços, redução do desemprego e consequente aumento dos salários. Estamos então na fase de prosperidade do ciclo econômico.

Esta fase de prosperidade é seguida por uma reversão do ciclo, e a prosperidade se transforma em crise e recessão. Vários fatores se combinam para esta reversão do ciclo. Em primeiro lugar, a difusão das inovações leva ao fechamento de empresas que se tornaram obsoletas, o que resulta em demissões e queda do emprego. Em segundo lugar, o aumento dos preços das matérias-primas e da mão de obra gera um processo inflacionário, o qual eleva os custos das empresas e acaba por reduzir a lucratividade. Isto é agravado pelas expectativas exageradas dos investidores quanto à lucratividade das novas tecnologias: como as expectativas não se realizam pelo aumento dos custos, os ativos acabam sendo vendidos abaixo do preço que foram comprados, visando a reduzir as perdas e, em consequência, a inadimplência aumenta. Este processo se chama deflação de ativos, e é um fator importante de crise.

Em terceiro lugar, o surgimento de novas firmas empregando tecnologias inovadoras aumenta a concorrência e reduz a lucratividade, contribuindo também para diminuir a valorização dos ativos. Por último, segundo Schumpeter, os próprios empresários tendem a superestimar as oportunidades lucrativas de investimento, e várias empresas fracassam. Tudo isto derruba os valores dos ativos, deflagra uma crise seguida de uma recessão, que será superada em um novo ciclo de crescimento a partir de uma nova onda de inovações tecnológicas, e assim por diante.

Estamos em uma bolha que nos levará a uma crise e recessão?

Basta uma observação superficial para perceber que o ciclo expansivo das tecnologias digitais ainda está no seu começo, e que tecnologias como a internet das coisas (a conexão de equipamentos remotamente pela internet) e a impressora em 3D (com o uso de dados na nuvem para adequar os produtos às preferências de cada cliente individualmente, ao mesmo tempo em que produz em larga escala) ainda são incipientes. Estamos ainda no começo da fase ascendente do ciclo da economia digital, e muito distantes, portanto, do que seria o momento da reversão do ciclo.

Isto quer dizer que estamos livres de uma deflação de ativos? Com certeza, não. Há um outro fator que também pode provocar deflações de ativos e crises, e não tem a ver com inovações: elevações de taxas de juros por bancos centrais, especialmente depois de períodos de juros baixos. A razão é simples: com juros baixos, empresas e famílias tomam empréstimos para adquirir ativos. Quando os juros sobem de forma excessiva e se mantém em patamares elevados por muito tempo, empresas e famílias não têm mais condições de bancar seus investimentos e vendem os ativos por preços reduzidos, provocando deflação de ativos e crise.
Neste momento, este perigo é muito maior do que o da inteligência artificial.

Edição anterior (3582):
domingo, 25 de agosto de 2024


Capa 3582

Veja também:




• Home
• Expediente
• Contato
 (24) 99993-1390
redacao@diariodepetropolis.com.br
Rua Joaquim Moreira, 106
Centro - Petrópolis
Cep: 25600-000

 Telefones:
(24) 98864-0574 - Administração
(24) 98865-1296 - Comercial
(24) 98864-0573 - Financeiro
(24) 99993-1390 - Redação
(24) 2235-7165 - Geral