Marcelus Fassano
O mundo entendeu algo que o Brasil ainda começa a explorar: a gastronomia move pessoas, gera impacto econômico e reposiciona territórios. Hoje, já é o terceiro maior motivo de viagem internacional, movimentando mais de 800 bilhões de dólares por ano. Não se trata apenas de comer bem; trata-se de um mercado estratégico, capaz de atrair visitantes, criar empregos e transformar a imagem de uma cidade ou região.
Mendoza é um exemplo claro desse movimento. Se antes a visita a uma vinícola era centrada exclusivamente no vinho, hoje o cenário é outro: restaurantes surgiram dentro das bodegas, menus foram criados para dialogar com terroirs específicos, chefs desenvolveram narrativas que unem tradição e vanguarda. O visitante não vai mais apenas degustar: ele se senta à mesa, percorre uma sequência de pratos e descobre como cada garrafa encontra sua expressão também na cozinha.
E foi nesse contexto que visitei duas casas que representam bem esse novo momento: Anaia e Domaine Bousquet.
Anaia Wines: juventude e precisão
A Anaia é uma vinícola jovem, mas que já nasceu com DNA moderno e tecnológico. Sua arquitetura se impõe e traduz a ideia de inovação que também está na produção dos vinhos. Não tem décadas de tradição familiar, mas carrega a força de uma nova geração de bodegas argentinas.
Desde a chegada percebi que a proposta era diferente. Não se tratava de um almoço clássico, mas de uma sequência pensada para que o vinho fosse o centro da experiência. Cada taça vinha acompanhada de pequenas criações gastronômicas, explicadas em fichas técnicas que mostravam texturas e combinações. Apesar do cuidado e da precisão, tudo era leve e delicioso, servido com atenção e hospitalidade. Foi uma maneira surpreendente de conhecer os vinhos da casa, em um clima que misturava informação, modernidade, acolhimento e muito sabor.
Domaine Bousquet Gaia: filosofia orgânica no prato
Já a Domaine Bousquet tem outra história. Família francesa que chegou à Argentina nos anos 1990, pioneira no cultivo orgânico no país, transformou o Vale de Uco em vitrine mundial de vinhos biodinâmicos. Seu restaurante, o Gaia, leva o nome da deusa da Terra e expressa em cada prato a filosofia de respeito ao meio ambiente.
O menu de cinco passos é uma viagem pela região: sopa de abóbora, empanada de cordeiro, pratos que exaltam frutas e vegetais locais, sempre em diálogo com vinhos limpos, vibrantes, cheios de identidade. Foi uma das experiências mais completa que vivi nessa jornada, não só pela qualidade, mas pela coerência entre a taça e o prato, ambos contando a mesma história.
De Anaia a Bousquet, fica claro como Mendoza entendeu que a gastronomia não é acessório, mas protagonista. Cada vinícola encontra sua forma de contar quem é também à mesa e é isso que transforma a viagem em algo memorável.
Na próxima edição, sigo com outras visitas: a hospitalidade generosa da Dona Paula, a inovação coletiva da Lamadrid/Uco Deus e a tradição em transição da Renacer.
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