Marcelus Fassano
Por Marcelus Fassano
Na edição anterior falei sobre as vinícolas Anaia e Domaine Bousquet, que mostram duas faces da nova gastronomia argentina. Agora quero compartilhar duas experiências muito diferentes entre si, mas igualmente marcantes: a hospitalidade calorosa da Dona Paula e a sofisticação do Los Bocheros, restaurante da Lamadrid.
Dona Paula: um almoço que virou encontro
Na Vinícola Dona Paula vivemos algo fora do comum. Fomos recebidos pela enóloga Noelia, pelo CEO da vinícola e apenas mais um casal, em uma visita intimista que começou em bunkers subterrâneos, onde são feitos estudos da terra, e seguiu com um tour imersivo em 4D. A vinícola impressiona pela estrutura, mas o que mais me marcou foi o almoço que veio depois.
Era a primeira vez que organizavam e abriam a vinícola para esse tipo de evento, e o fizeram em nossa homenagem, pelo prestígio do Diário de Petrópolis. Não havia restaurante: tudo foi montado na área gourmet da vinícola, preparado por um chef. A sequência foi generosa, com empanadas, bruschetas, escondidinhos, ossobuco desossado com legumes da horta e, para fechar, quatro sobremesas diferentes, cada uma mostrando um lado da doçaria argentina.
Os vinhos acompanharam no mesmo ritmo. Começamos com os mais leves e frescos, seguimos para rótulos estruturados e terminamos com os ícones da casa. Cada prato vinha com a taça certa e a sensação era de que nada estava por acaso. Um almoço pensado para mostrar, de forma completa, a força da Dona Paula.
Lamadrid Los Bocheros: inovação coletiva e sofisticação
A Lamadrid é sede de um projeto ousado: cinco vinícolas amigas repartem a mesma cantina, cada uma com sua identidade, mas unidas pelo espírito de colaboração. Entre elas está a Uco Deus Wine, dedicada à produção de vinhos totalmente orgânicos, elaborados em ovos de cimento. O primeiro vinho que nos serviram veio justamente dali, ainda sem rótulo, fresco, cheio de autenticidade, quase como um segredo revelado em primeira mão.
Depois dessa abertura marcante, seguimos para a experiência no restaurante Los Bocheros, indicado pelo Guia Michelin e premiado também pela arquitetura da vinícola. O couvert já mostrava cuidado: pães variados, azeites produzidos no próprio complexo e uma empanada gourmet com molho à parte.
Optamos pelo menu curto. Eu pedi entrada e principal, Isabela escolheu principal e sobremesa, e assim conseguimos compartilhar os três tempos. Eles também oferecem menus de quatro ou sete passos, sempre acompanhados por vinhos harmonizados prato a prato.
Entre os sabores, uma massa fresca recheada com creme de beterraba, crocante de queijo e pistache chamou a atenção pela criatividade. Mas foi a costela, cozida lentamente no Malbec e depois braseada, que conquistou meu coração. A carne se desfazia na boca, com um sabor profundo que mostrava o quanto os argentinos dominam o ofício da carne.
Cada etapa era acompanhada por um vinho diferente, escolhido para destacar texturas e aromas. Do branco inicial aos tintos de maior corpo, tudo parecia calculado para que taça e prato se completassem. O resultado foi uma experiência elegante, em que técnica e prazer caminharam juntos.
Dona Paula e Lamadrid, experiências diferentes, mas que carregam a mesma mensagem: Mendoza não oferece apenas vinhos, mas também gastronomia capaz de transformar a viagem em algo inesquecível.
E deixo aqui uma provocação a você, leitor: em toda a minha passagem pela Argentina não comi doce de leite nem alfajor. Será que a culinária argentina está mudando?
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