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Conhecimento e Amor: o Caminho Interior para a Trindade

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Pe. Anderson Alves

A reflexão de Santo Agostinho nos capítulos finais do Livro VIII de De Trinitate nos oferece um itinerário profundamente espiritual: amar a Deus mesmo sem vê-Lo, conhecer a Trindade mesmo sem compreendê-La plenamente. Essa é a tensão produtiva e fecunda da fé cristã agostiniana entre o mistério que nos escapa e o amor que nos atrai.

O bispo de Hipona insiste que a fé é o ponto de partida e o impulso interior para o conhecimento de Deus. Mas essa fé não é ingenuidade ou crença cega; é um assentimento da razão iluminada pela graça. Agostinho alerta contra o perigo da credulitas, uma fé mal formada ou ilusória. Por isso, a investigação teológica é um ato de responsabilidade espiritual: é preciso discernir a fé verdadeira da superstição, o amor real do entusiasmo vazio.

Quando ele afirma no capítulo 4 que alguém pode amar a Deus mesmo sem O conhecer completamente, está nos ensinando que o amor à Trindade nasce da confiança no testemunho da fé, e se alimenta na esperança da visão. É um amor que se antecipa à visão direta, como o amor por uma alma justa como no exemplo de São Paulo. Não vemos sua alma, mas cremos que ela é justa, porque compreendemos o que é justiça e reconhecemos os frutos dessa virtude. Da mesma forma, amamos a Trindade porque conhecemos, mesmo que de forma imperfeita, o que é o bem, o justo, o verdadeiro e todos esses atributos nos remetem ao próprio Deus.

Essa é a força da analogia: mesmo sem uma imagem direta da Trindade, nossa alma carrega marcas vestígios que nos orientam para Ela. Por isso, Agostinho dedica tanto esforço em distinguir anima de animus, para mostrar que conhecendo nossas potências interiores vida, consciência, vontade podemos intuir algo da vida e comunhão divinas. Esse exercício intelectual não é meramente filosófico; é um caminho pedagógico e espiritual.

Agostinho compreende que o amor à Trindade está profundamente ligado à busca pela verdade e pela justiça. O justo, mesmo não plenamente conhecido, é amável por si e Deus, sendo a própria Justiça, é o sumo Amável. Assim, o amor a Deus, ainda que obscurecido pelos limites do conhecimento, não é ilusão: é impulso autêntico da alma que reconhece, em si mesma, o chamado ao bem, ao verdadeiro e ao eterno.

Essa forma de fé amorosa é, como Agostinho sublinha, o verdadeiro remédio contra a soberba. Quando ele escreve que a Trindade é “o remédio supremo para curar a soberba e o sacramento elevado para romper as cadeias do pecado”, está retomando o fio central de toda sua teologia: o ser humano encontra plenitude não na posse de verdades, mas na humildade diante do Mistério, e no amor que transforma.

É isso que permite à alma abrir-se ao conhecimento de Deus justo, mesmo que ainda injusta. Porque o amor é anterior à santidade plena e é por meio dele que a alma é purificada. A fé que ama já está em processo de justificação, e nesse caminho a razão também é envolvida.

O final do Livro VIII prepara o terreno para um novo movimento na obra: a grande analogia da alma humana como imagem da Trindade, desenvolvida nos livros IX a XIV. Esse salto se dará não como fuga do mistério, mas como uma imersão ainda mais profunda nas possibilidades do amor inteligente e do conhecimento amoroso.

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