Decisão histórica reconhece falhas na investigação e impõe medidas de reparação para combater racismo estrutural
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) condenou o Estado brasileiro, na última quinta-feira (20), no caso "Dos Santos Nascimento e Ferreira Gomes vs. Brasil", responsabilizando o país por falhas na investigação de um caso de discriminação racial e de gênero ocorrido em 1998. A Corte considerou que houve reprodução de racismo institucional e falta de devida diligência por parte das autoridades envolvidas no processo judicial.
O caso
No dia 26 de março de 1998, Neusa dos Santos Nascimento e Gisele Ana Ferreira Gomes, duas mulheres negras, se candidatarem a uma vaga de pesquisadora em São Paulo e foram informadas de que todas as vagas estavam preenchidas. No entanto, no mesmo dia, uma mulher branca interessou-se pelo cargo e foi contratada imediatamente.
Ao retornarem à empresa no dia seguinte, uma das vítimas conseguiu preencher um formulário de candidatura, mas nunca foi contatada. As três candidatas tinham o mesmo nível de escolaridade e experiência profissional, tornando evidente a discriminação racial no processo de contratação.
Diante da situação, Neusa e Gisele denunciaram o caso, que levou à abertura de uma investigação criminal por racismo em 1998. O processo, porém, arrastou-se por mais de uma década, culminando em uma decisão judicial de absolvição por insuficiência de provas em 2009.
Em junho de 2023, o Brasil reconheceu, perante a Corte Interamericana, violações aos direitos de duas mulheres à razoável duração do processo criminal no julgamento de acusação de discriminação racial no ambiente de trabalho. Foi a primeira vez que o Estado brasileiro faz um reconhecimento formal deste tipo em um caso envolvendo discriminação racial.
Decisão da Corte IDH
Na sentença proferida, a Corte reconheceu que o Estado brasileiro não adotou medidas eficazes para investigar o crime com a devida diligência reforçada, como exigido em casos de discriminação racial. Além disso, o tribunal apontou que houve reprodução do racismo estrutural e institucional, revitimizando Neusa e Gisele ao longo do processo judicial. Ainda conforme a sentença, o Estado contribuiu para a impunidade da discriminação racial, reforçando padrões estruturais de desigualdade.
Destacou-se também que as autoridades judiciais transferiram para as vítimas a responsabilidade de provar a discriminação, sem considerar o contexto racial e a obrigação estatal de garantir a equidade na investigação. A decisão de prescrição da pena atrasou o trâmite processual e impediu uma resposta efetiva.
Por fim, o Estado foi condenado pelo dano ao projeto de vida e pela violação dos direitos à vida digna, à integridade pessoal, à liberdade pessoal, às garantias judiciais, à proteção da honra e da dignidade, à igualdade perante a lei e ao acesso à justiça, estabelecidos nos artigos 4, 5, 7, 8, 11, 24 e 25 da Convenção Americana, em relação aos artigos 1.1 e 26, em detrimento de Neusa dos Santos Nascimento e Gisele Ana Ferreira Gomes.
Medidas de reparação
Para garantir justiça e prevenir novos casos, a Corte IDH determinou que o Brasil deverá publicar a sentença e seu resumo, realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade e pedido de desculpas às vítimas, pagará indenizações, além de adotar protocolos específicos para investigação e julgamento de crimes de racismo. Também deverá incluir nos currículos de formação do Judiciário e do Ministério Público conteúdos sobre discriminação racial, notificar o Ministério Público do Trabalho sobre suspeitas de discriminação racial no ambiente profissional e implementar um sistema de coleta de dados sobre acesso à justiça, com recorte racial e de gênero. Além disso, o país deverá criar medidas para prevenir a discriminação em processos de contratação de pessoal.
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