Valor médio de remuneração dos trabalhadores negros em Petrópolis era de R$1,7 mil, enquanto dos profissionais considerados brancos era de R$2,5 mil
Larissa Martins especial para o Diário*
Um estudo promovido pelo Núcleo de Estudos Raciais (NERI) do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) abordou a composição racial da população brasileira em aspectos do mercado de trabalho e renda. Segundo a pesquisa, os trabalhadores negros se destacam ganhando salários menores que as pessoas consideradas brancas, que tem rendas médias maiores em todos os estados brasileiros. As desigualdades identificadas são apontadas como reflexos das taxas de extrema pobreza mais elevadas entre negros. O Nordeste se destacada chegando a aproximadamente 20% em 2022. Além disso, a baixa presença desta parte da população em cargos de liderança também compromete a equidade no mercado de trabalho, segundo o artigo.
Dados da Plataforma SmartLab, iniciativa conjunta do MPT e da OIT Brasil (criada para construir conhecimento relevante para políticas públicas de promoção do trabalho decente), mostram que o valor médio de remuneração dos trabalhadores negros em Petrópolis era de R$1,7 mil, enquanto dos profissionais considerados brancos era de R$2,5 mil, em 2019.
A SmartLab disponibilizou também o rendimento médio mensal de mulheres brancas, mulheres negras e homens negros em relação ao salário médio de homens brancos, utilizado como valor de referência (100%). Comparando os valores entre esses grupos, é possível perceber que o percentual das mulheres brancas é de 83,9%; dos homens negros é de 78,9% e das mulheres negras é de 66,4%.
Juliana Kaiser, fundadora da Trilhas de Impacto e conselheira da Associação Brasileira de Recursos Humanos do Rio de Janeiro (ABRH-RJ), cita a razão histórica como um dos principais fatores que contribuem para essa diferença salarial persistente ao longo de décadas. Após a Abolição em 1888, pessoas negras não tiveram suporte do Estado para a manutenção de suas vidas. Com a total ausência de políticas públicas, negros libertos foram morar em locais insalubres, que posteriormente ficaram conhecidos como favelas. Além de não terem acesso à moradia, não podiam frequentar a escola. Isso gerou um atraso no desenvolvimento econômico de pessoas negras, que somente com muito empenho vamos conseguir resolver. Não há como falar em apenas um fator. A questão dos salários mais baixos entre as pessoas negras é multifatorial, explica.
Uma reportagem divulgada pela Agência Brasil esta semana, aponta que em 2023, as jovens mulheres negras de 18 a 29 anos tiveram uma taxa de desemprego três vezes maior que a dos homens brancos no Brasil. Quando empregada, a juventude feminina negra tem uma renda 47% menor que a da média nacional e quase três vezes menor que a dos homens brancos.
Além disso, as mulheres negras de 14 a 29 anos dedicam quase o dobro de horas aos afazeres domésticos quando comparado à media dos homens negros e brancos. A comparação foi realizada pela organização Ação Educativa, a partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) de 2023, e publicada no relatório Mude com Elas, divulgado na quarta-feira (8).
De acordo com o projeto, enquanto as jovens mulheres negras registraram, em 2023, uma taxa de desemprego de 18,3%, os homens brancos tiveram uma taxa de 5,1%. O desemprego geral do país terminou 2023 em 7,4%. Já o salário médio da população no ano passado foi R$ 2.982, enquanto o das jovens negras foi de apenas R$ 1.582. Se comparado com homens brancos, a diferença salarial é ainda maior. Como a renda média desse grupo foi R$ 4.270 em 2023, ela é 2,7 vezes maior que a das jovens mulheres negras.
A informalidade também atinge mais as jovens negras, que registraram 44% com carteira assinada, porcentagem similar a dos jovens negros (43,3%). Já os jovens brancos, tanto mulheres quanto homens, ficaram em torno de 50% com carteira assinada (50,3% para jovens brancos e 49,8% para jovens brancas).
Além da menor renda e do maior desemprego, o trabalho doméstico sobrecarrega as jovens negras de 14 a 29 anos que dedicam 22 horas, por semana, aos afazeres domésticos. Enquanto isso, a média dos homens negros e brancos é de 11,7 horas na semana
O estudo mostra que, desde a pandemia, as condições de trabalho melhoraram, mas ainda assim, o Brasil não tem políticas públicas específicas para as jovens negras nem tampouco as empresas possuem um olhar direcionado a essas mulheres, que são frequentemente preteridas em processos seletivos, afirmou a pesquisa.
O grupo das jovens negras também chega menos ao ensino superior no Brasil. Enquanto as jovens brancas frequentando ou concluindo o ensino superior, em 2023, chegavam a 39,8% do total, as jovens negras na mesma situação eram apenas 23,4% do total.
Atualmente, mesmo com a política de cotas, podemos ver no máximo a segunda geração de pessoas negras nas universidades. Aliado a isso, temos o fato ainda de que pessoas negras estudam, em sua maioria, em escolas públicas, não tem acesso financeiro a cursos de idiomas e começam a trabalhar em posições operacionais ainda na adolescência. A urgência financeira também é um agravante, que obriga essa população a entrar cedo no mercado de trabalho e a dedicar menos anos ao desenvolvimento acadêmico formal. Não podemos esquecer, todavia, dos vieses inconscientes e estereótipos que existem na contratação de pessoas negras por empresas brasileiras. Mesmo quando vemos pessoas negras com alto nível de qualificação, ainda assim elas demoram mais a ocupar cargos de liderança e, em geral, têm os mais baixos salários, se comparado ao de pessoas brancas, diz Juliana.
Para ela, as empresas têm papel fundamental na promoção da igualdade salarial e na eliminação das diferenças raciais no ambiente de trabalho. O primeiro passo é contratar mais pessoas negras, começando pelo RH.
Com uma área de Recursos Humanos composta por mais pessoas negras, a probabilidade de mais pessoas negras serem atraídas no processo de seleção é maior. Além disso, é necessário promover programas de desenvolvimento de carreira focados alavancar a carreira de pessoas negras e promovê-las como liderança. Também é necessário promover treinamento contínuo dos times sobre letramento racial, vieses inconscientes e estereótipos. As pessoas brancas historicamente já são contratadas. Então, para termos o Brasil representado nas empresas brasileiras, é necessário que haja uma ação efetiva no momento de fazer o short list de candidatos, ou seja, garantir que pelo menos 50% seja de pessoas negras. Do contrário, continuaremos reproduzindo o status quo, conclui.
*Com informações da Agência Brasil
Veja também: