Pe. Anderson Alves
Em De Trinitate, Livro IX, Cap. VIII, Santo Agostinho explora a diferença fundamental entre concupiscência (cupiditas) e caridade (charitas), dois tipos distintos de amor que desempenham papéis essenciais na alma humana. Agostinho argumenta que o amor é a segunda geração da alma, sendo gerado pelo verbo. O verbo, que representa o conhecimento, inspira o amor, e é por meio desse processo que o Espírito Santo atua como amor gerado pelo Verbo.
Agostinho diferencia entre cupiditas e charitas ao definir seus objetos e finalidades. A concupiscência é o amor pelas criaturas por si mesmas, enquanto a caridade é o amor ao Criador. No entanto, quando o amor pelas criaturas é ordenado ao Criador, ele se torna caridade. Amar as criaturas por amor a Deus é, portanto, uma expressão de caridade.
O método teológico de Santo Agostinho segue uma progressão do externo ao interno e do interno ao eterno. Ele argumenta que o conhecimento sensível deve levar ao conhecimento da verdade interna, e estas verdades internas nos conduzem à verdade eterna. Agostinho sustenta que a verdade não reside nos sentidos, pois eles não garantem a verdade; são as verdades eternas que garantem a validade das percepções sensoriais.
Agostinho reconhece que é lícito e, em alguns casos, obrigatório amar as criaturas, como no caso dos pais. No entanto, ele distingue entre realidades que devemos usar (amar como meio) e aquelas que devemos fruir (amar como fim). O termo uti refere-se ao uso das criaturas como meio para amar a Deus, enquanto frui refere-se a desfrutar de Deus como o fim último do nosso amor. O pecado, segundo Agostinho, é usar Deus e fruir das criaturas, uma desordem no amor que ele define como concupiscência. Virtude, por outro lado, é o ordo amoris (“ordem do amor”), pois amar a Deus é o fim último da vida humana, e as criaturas são amadas como meio para alcançar a Deus.
Santo Agostinho também enfatiza que o verbo é gerado pelo amor, seja cupiditas ou charitas. A mente, o amor e o verbo são outra imagem da Trindade. Ele introduz o conceito de “amplexo incorpóreo”, ou abraço espiritual, para explicar que o amor é unitivo e é o que une a nossa alma. Dionísio, o Areopagita, descreve o amor como uma força unitiva (vis unitiva), e Agostinho diz que o que amamos gera conhecimento. O valor moral de uma pessoa está no que ela ama, e esse valor é medido pelo amor.
Santo Tomás de Aquino, seguindo essa linha de pensamento, disse preferir ter o comentário de João Crisóstomo sobre o Evangelho de Mateus à cidade de Paris. Para Agostinho, o amor é o que une a memória e o conhecimento, e o verbo, ou conhecimento, é fruto do amor, do desejo e da busca. O amor gera o verbo, e é preciso despertar o amor e o interesse para alcançar o conhecimento.
Agostinho afirma que todo amor depende de sua relação com Deus. No capítulo IX, ele discute a concepção (conceptum) e o nascimento (natum) nas realidades espirituais e carnais. Nas realidades espirituais, a concepção e o nascimento coincidem; quem conhece e ama a justiça é justo, mesmo antes de agir. Nas realidades carnais, como a concupiscência, o gerado nasce ao ser possuído e nunca satisfaz. Aqueles que buscam prazeres materiais nunca ficam satisfeitos.
No cap. X, Santo Agostinho pergunta se tudo é verbo da mente ou apenas a notitia amada (conhecimento amado). Ele distingue entre conhecimento simples e conhecimento unido ao amor. Conhecer um defeito e rejeitá-lo é um bem, enquanto possuí-lo é um mal. Há um conhecimento simples e um conhecimento que é verbum, ou seja, impregnado de amor. A mente conhece e ama; a mente ama o conhecimento e ama seu amor. Studium é essencial ao conhecimento. O que amamos determina o que conhecemos, e o amor é a força que gera o verbo, o conhecimento e a busca pela verdade eterna.
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